"Diga alguma coisa nova
Eu não tenho nada
Eu
não posso encarar a escuridão sem você
Não
há mais nada para perder
A
briga nunca acaba
Eu
não posso encarar a escuridão sem você"
(Without You – Breaking Benjamin)
Voltando
para o hotel, Dean jogou-se na cama e dormiu por horas a fio. Levantou cedo,
tomou banho, barbeou-se, vestiu roupas limpas. Durante o banho, viu no espelho
do banheiro a região arroxeada na altura das costelas. Estavam doloridas, mas
ele achava que talvez não precisasse enfaixar.
Arrumou-se,
depois guardou todas as coisas no carro. Tomou café da manhã no restaurante do
hotel. Na recepção pediu que encerrassem sua conta. Aguardou pacientemente que
a camareira fosse verificar o quarto, o que era um procedimento corriqueiro,
perfeitamente normal. Pagou com cartão de crédito (fraudado, é claro).
Infelizmente um senhor chamado Robert Mackenzie receberia incluídas em sua
fatura mensal de outubro todas as despesas geradas por três diárias de um hotel
três estrelas do outro lado do país, onde jamais se hospedara e no qual talvez
nunca na vida tivesse a oportunidade de por os pés. Mas era por uma boa causa.
Graças ao patrocínio não consentido do senhor Mackenzie, ninguém mais ia morrer
empurrado na frente de carros em uma determinada esquina de Saint Beatrice, no
Colorado. Ainda que involuntariamente, Robert Mackenzie, fosse lá quem fosse,
prestara um grande serviço de utilidade pública. Nada na vida é de graça. Tudo
tem seu preço, inclusive caçar e matar monstros.
Dean
entrou no seu Chevy Impala 67 e dirigiu por muitas horas, praticamente sem
interrupções. Parou quando a noite já ia avançada; reduziu a marcha para
manobrar até a bomba de combustível do primeiro posto que viu, a fim de
abastecer a Baby. Então se deu conta
que sentia fome e, depois de encher o tanque, conduziu o carro até o
estacionamento de uma lanchonete coligada ao posto, exatamente aquela
lanchonete onde o encontramos no início desta história. Ali ele conheceu Myla, a garçonete; ali se empanturrou de
cheeseburguer e cerveja. Ali ele cantou a garçonete e depois jogou sinuca para
matar o tempo enquanto esperava que a garota cumprisse seu turno. Ali Dean
Winchester foi assombrado mais uma vez por lembranças e amargou mais uma vez
seu duro dilema. Sua angústia era tão forte que ofuscava mesmo a sensação de
dever cumprido, que obtivera enviando Jayden Alyssa Grace definitivamente para
o além e salvando dezenas, talvez até centenas de vidas.
Respirou
aliviado quando Myla o chamou para irem embora. Dirigiu até a casa da moça,
onde passou a noite em companhia dela. Pro inferno com a dor nas costelas! Uma
mulher morta que gostava de empurrar pessoas no trânsito jamais o impediria de
ser Dean Winchester, um homem que sempre propiciava às suas mulheres a
oportunidade de sentirem-se mais vivas.
No
outro dia, deixou Myla no serviço dela, despediu-se com um beijo alucinante e
acelerou fundo seu carro. Percorreu muitas milhas por estradas quase ermas,
totalmente imerso em pensamentos, sem saber direito aonde ir. Fez poucas
paradas.
Perto
do por do sol, descobriu-se parado em um cruzamento, uma encruzilhada deserta;
era uma região agrícola, cercada por plantações e poucos vestígios de
civilização. Exatamente ali se encontravam duas estradas que pareciam surgir do
nada e seguir para lugar algum.
Dean
estava parado, com o motor ligado, quase sobre a faixa horizontal de PARE.
Tamborilava pensativamente os dedos no volante. Logo adiante, do outro lado do
cruzamento, havia uma placa, a qual indicava dois caminhos.
Não
muito além, Dean já começaria a se despedir do Colorado. Sabia que, se
seguisse em frente naquele cruzamento, tomaria um grande atalho cruzando Utah e
Nevada, que o levaria até bem perto de Jericho, na Califórnia, o lugar para
onde John seguira antes de desaparecer. Era onde precisava ir.
Contudo,
se convergisse à esquerda, sabia também que a estrada o levaria a outra parte
da Califórnia, na qual estava situada a Universidade de Stanford, onde seu
irmão Sam decidira ir cursar Direito, afastando-se da família. O caminho até
Stanford seria mais longo e mais penoso para Dean, porém, ele teria a companhia
do irmão quando partisse em busca do pai. Afligiu-se ante as opções que
dispunha.
Mãos
firmes na direção, Dean confrontava a si mesmo. A pior batalha que poderia
enfrentar acontecia em seu íntimo. A mágoa e o ressentimento o atacavam de
todos os lados, mas seu inimigo mais feroz chamava-se orgulho. Dean Winchester
gostava de trabalhar sozinho, e muitas vezes preferia perder um braço a ter que
pedir ajuda a alguém, a reconhecer que certas coisas não seria capaz de superar
unicamente por suas próprias forças.
Naquele
fim de tarde no Colorado, com o frio vento norte começando a soprar com mais
intensidade, lá estava o caçador. Parado naquele cruzamento no meio do nada,
onde ninguém passava, com o poderoso motor V8 da Baby trabalhando em baixa rotação e rosnando como um puma antes de
atacar, torturado por seu dilema, Dean Winchester não podia prever minimamente
a importância de uma encruzilhada como aquela em sua vida, em seu destino,
futuramente.
Apertou
tanto o volante com as mãos, que os nós de seus dedos ficaram brancos. No fundo
de seus olhos verdes uma decisão passava a ganhar forma. Se havia uma coisa
maior que o orgulho de Dean Winchester, era o seu amor pela família. Por mais
turbulentos e ruidosos que pudessem ser seus pensamentos, o sangue, o
parentesco, sempre falavam mais alto.
Respirando
fundo, segurando firme o volante com ambas as mãos, olhando para dentro de si,
o jovem caçador falou com convicção, como se o irmão, mesmo a centenas de
quilômetros, pudesse ouvi-lo:
—
Sammy... Nosso pai sumiu. Ele precisa da gente. Eu não tenho nada. Mais nada a
perder. Pode ser que essa não seja a vida que escolhemos, mas é a única que
temos. Travamos uma guerra sem fim. Sabe disso, você é um de nós. Sempre foi e
sempre será. Irmão, o Mal me cerca, e eu não posso enfrentar a escuridão sem
você.
Sem
mais dizer, o filho mais velho de John engrenou a marcha conforme acelerava.
Determinado, girou repentinamente o volante para a esquerda. O Impala virou no cruzamento rugindo; sua
arrancada fora tão rápida e brusca, que os pneus cantaram contra o asfalto da
estrada solitária no momento em que seu motorista deu o golpe de direção para a
esquerda. A noite caía, rápida e silenciosa; os faróis potentes dissipavam as
trevas recém-chegadas.
Dean
Winchester ligou o rádio para curtir um clássico do Black Sabbaht no último volume durante a viagem. O rock ajudava a exorcizar seus demônios.
Depois acelerou seu carro resolutamente. Era final de Outubro: se corresse, podia alcançar Stanford até a noite de Halloween.
Depois acelerou seu carro resolutamente. Era final de Outubro: se corresse, podia alcançar Stanford até a noite de Halloween.
Doces
ou travessuras... Cara, ele amava essas coisas.
Durante
a infância e parte da adolescência, ele e o irmão se fantasiavam na noite do
dia 31 de Outubro e saíam às ruas para, ao menos uma vez no ano, se misturarem
aos outros meninos e agirem como pessoas normais, batendo de porta em porta,
assustando pessoas e intimando os moradores com a clássica pergunta: “Doces ou
travessuras?”
Dean
seguia na frente, animado, segurando a cesta onde coletaria as gostosuras
enquanto berrava que era Halloween. Sem nunca entender a felicidade do irmão,
Sammy vinha logo atrás, invariavelmente sério, repetindo uma frase que o
acompanharia mesmo à idade adulta:
“—
Não sei a causa de tanta empolgação,
Dean. Para nós, todo dia é Halloween.”
Esboçando
um meio sorriso ao reviver essas memórias, Dean Winchester levou a mão direita
ao câmbio e trocou a marcha, preparando o motor para aumentar a velocidade. Seu
fabuloso Chevy Impala 67, negro como
ébano, acelerou majestoso, roncando, disparando agilmente pela interestadual,
veloz como um azarão tomando a dianteira nas pistas, para delírio dos
apostadores. Era o dono da noite.
Você
e eu sabemos bem que o destino reservava diversas surpresas para Sam e Dean em
um futuro não muito distante dali: grandes perigos, inimigos poderosos, perdas
dolorosas, dor e desencontro.
Todavia,
nada disso importava se os irmãos estivessem juntos.
Porque
quando os Winchester estão unidos,
eles podem vencer o que quer que seja, ainda que o mundo esteja contra eles.
Fim
Danilo Alex da Silva