terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O Dilema de Dean Winchester - Final




"Diga alguma coisa nova
Eu não tenho nada
Eu não posso encarar a escuridão sem você
Não há mais nada para perder
A briga nunca acaba
Eu não posso encarar a escuridão sem você"

(Without You – Breaking Benjamin)





Voltando para o hotel, Dean jogou-se na cama e dormiu por horas a fio. Levantou cedo, tomou banho, barbeou-se, vestiu roupas limpas. Durante o banho, viu no espelho do banheiro a região arroxeada na altura das costelas. Estavam doloridas, mas ele achava que talvez não precisasse enfaixar.
Arrumou-se, depois guardou todas as coisas no carro. Tomou café da manhã no restaurante do hotel. Na recepção pediu que encerrassem sua conta. Aguardou pacientemente que a camareira fosse verificar o quarto, o que era um procedimento corriqueiro, perfeitamente normal. Pagou com cartão de crédito (fraudado, é claro). Infelizmente um senhor chamado Robert Mackenzie receberia incluídas em sua fatura mensal de outubro todas as despesas geradas por três diárias de um hotel três estrelas do outro lado do país, onde jamais se hospedara e no qual talvez nunca na vida tivesse a oportunidade de por os pés. Mas era por uma boa causa. Graças ao patrocínio não consentido do senhor Mackenzie, ninguém mais ia morrer empurrado na frente de carros em uma determinada esquina de Saint Beatrice, no Colorado. Ainda que involuntariamente, Robert Mackenzie, fosse lá quem fosse, prestara um grande serviço de utilidade pública. Nada na vida é de graça. Tudo tem seu preço, inclusive caçar e matar monstros.
Dean entrou no seu Chevy Impala 67 e dirigiu por muitas horas, praticamente sem interrupções. Parou quando a noite já ia avançada; reduziu a marcha para manobrar até a bomba de combustível do primeiro posto que viu, a fim de abastecer a Baby. Então se deu conta que sentia fome e, depois de encher o tanque, conduziu o carro até o estacionamento de uma lanchonete coligada ao posto, exatamente aquela lanchonete onde o encontramos no início desta história. Ali ele conheceu Myla, a garçonete; ali se empanturrou de cheeseburguer e cerveja. Ali ele cantou a garçonete e depois jogou sinuca para matar o tempo enquanto esperava que a garota cumprisse seu turno. Ali Dean Winchester foi assombrado mais uma vez por lembranças e amargou mais uma vez seu duro dilema. Sua angústia era tão forte que ofuscava mesmo a sensação de dever cumprido, que obtivera enviando Jayden Alyssa Grace definitivamente para o além e salvando dezenas, talvez até centenas de vidas. 
Respirou aliviado quando Myla o chamou para irem embora. Dirigiu até a casa da moça, onde passou a noite em companhia dela. Pro inferno com a dor nas costelas! Uma mulher morta que gostava de empurrar pessoas no trânsito jamais o impediria de ser Dean Winchester, um homem que sempre propiciava às suas mulheres a oportunidade de sentirem-se mais vivas.
No outro dia, deixou Myla no serviço dela, despediu-se com um beijo alucinante e acelerou fundo seu carro. Percorreu muitas milhas por estradas quase ermas, totalmente imerso em pensamentos, sem saber direito aonde ir. Fez poucas paradas.
Perto do por do sol, descobriu-se parado em um cruzamento, uma encruzilhada deserta; era uma região agrícola, cercada por plantações e poucos vestígios de civilização. Exatamente ali se encontravam duas estradas que pareciam surgir do nada e seguir para lugar algum.
Dean estava parado, com o motor ligado, quase sobre a faixa horizontal de PARE. Tamborilava pensativamente os dedos no volante. Logo adiante, do outro lado do cruzamento, havia uma placa, a qual indicava dois caminhos.
Não muito além, Dean já começaria a se despedir do Colorado. Sabia que, se seguisse em frente naquele cruzamento, tomaria um grande atalho cruzando Utah e Nevada, que o levaria até bem perto de Jericho, na Califórnia, o lugar para onde John seguira antes de desaparecer. Era onde precisava ir.
Contudo, se convergisse à esquerda, sabia também que a estrada o levaria a outra parte da Califórnia, na qual estava situada a Universidade de Stanford, onde seu irmão Sam decidira ir cursar Direito, afastando-se da família. O caminho até Stanford seria mais longo e mais penoso para Dean, porém, ele teria a companhia do irmão quando partisse em busca do pai. Afligiu-se ante as opções que dispunha.
Mãos firmes na direção, Dean confrontava a si mesmo. A pior batalha que poderia enfrentar acontecia em seu íntimo. A mágoa e o ressentimento o atacavam de todos os lados, mas seu inimigo mais feroz chamava-se orgulho. Dean Winchester gostava de trabalhar sozinho, e muitas vezes preferia perder um braço a ter que pedir ajuda a alguém, a reconhecer que certas coisas não seria capaz de superar unicamente por suas próprias forças.
Naquele fim de tarde no Colorado, com o frio vento norte começando a soprar com mais intensidade, lá estava o caçador. Parado naquele cruzamento no meio do nada, onde ninguém passava, com o poderoso motor V8 da Baby trabalhando em baixa rotação e rosnando como um puma antes de atacar, torturado por seu dilema, Dean Winchester não podia prever minimamente a importância de uma encruzilhada como aquela em sua vida, em seu destino, futuramente.
Apertou tanto o volante com as mãos, que os nós de seus dedos ficaram brancos. No fundo de seus olhos verdes uma decisão passava a ganhar forma. Se havia uma coisa maior que o orgulho de Dean Winchester, era o seu amor pela família. Por mais turbulentos e ruidosos que pudessem ser seus pensamentos, o sangue, o parentesco, sempre falavam mais alto.
Respirando fundo, segurando firme o volante com ambas as mãos, olhando para dentro de si, o jovem caçador falou com convicção, como se o irmão, mesmo a centenas de quilômetros, pudesse ouvi-lo:
— Sammy... Nosso pai sumiu. Ele precisa da gente. Eu não tenho nada. Mais nada a perder. Pode ser que essa não seja a vida que escolhemos, mas é a única que temos. Travamos uma guerra sem fim. Sabe disso, você é um de nós. Sempre foi e sempre será. Irmão, o Mal me cerca, e eu não posso enfrentar a escuridão sem você.
Sem mais dizer, o filho mais velho de John engrenou a marcha conforme acelerava. Determinado, girou repentinamente o volante para a esquerda. O Impala virou no cruzamento rugindo; sua arrancada fora tão rápida e brusca, que os pneus cantaram contra o asfalto da estrada solitária no momento em que seu motorista deu o golpe de direção para a esquerda. A noite caía, rápida e silenciosa; os faróis potentes dissipavam as trevas recém-chegadas.
Dean Winchester ligou o rádio para curtir um clássico do Black Sabbaht no último volume durante a viagem. O rock ajudava a exorcizar seus demônios.
Depois acelerou seu carro resolutamente. Era final de Outubro: se corresse, podia alcançar Stanford até a noite de Halloween.
Doces ou travessuras... Cara, ele amava essas coisas.
Durante a infância e parte da adolescência, ele e o irmão se fantasiavam na noite do dia 31 de Outubro e saíam às ruas para, ao menos uma vez no ano, se misturarem aos outros meninos e agirem como pessoas normais, batendo de porta em porta, assustando pessoas e intimando os moradores com a clássica pergunta: “Doces ou travessuras?”
Dean seguia na frente, animado, segurando a cesta onde coletaria as gostosuras enquanto berrava que era Halloween. Sem nunca entender a felicidade do irmão, Sammy vinha logo atrás, invariavelmente sério, repetindo uma frase que o acompanharia mesmo à idade adulta:
“— Não sei a causa de tanta empolgação, Dean. Para nós, todo dia é Halloween.”
Esboçando um meio sorriso ao reviver essas memórias, Dean Winchester levou a mão direita ao câmbio e trocou a marcha, preparando o motor para aumentar a velocidade. Seu fabuloso Chevy Impala 67, negro como ébano, acelerou majestoso, roncando, disparando agilmente pela interestadual, veloz como um azarão tomando a dianteira nas pistas, para delírio dos apostadores.  Era o dono da noite.
Você e eu sabemos bem que o destino reservava diversas surpresas para Sam e Dean em um futuro não muito distante dali: grandes perigos, inimigos poderosos, perdas dolorosas, dor e desencontro.
Todavia, nada disso importava se os irmãos estivessem juntos.
Porque quando os Winchester estão unidos, eles podem vencer o que quer que seja, ainda que o mundo esteja contra eles.



Fim


Danilo Alex da Silva