Vai se arrepender
amargamente por isso, amigão. – sentenciou Estevão com um sorriso estranho.
Cercado por seus
inimigos, o motociclista não demonstrava o menor medo diante da morte iminente.
A lua cheia banhava com sua luz prateada a cena do crime que estava prestes a
acontecer.
A figura obesa e
repleta de adereços do presidente do Moto Clube rival lhe apontava uma
devastadora escopeta calibre doze de cano duplo serrado, coisa de filme de
faroeste. Bigorna – esse era o
apelido pelo qual os colegas motociclistas o tratavam – fez um muxoxo de desdém
antes de falar:
- Duvido muito, seu
verme. Só me arrependo daquilo que não faço.
E apertou o gatilho.
Depois que o tiro
estraçalhou o tórax de Estevão, Bigorna se aproximou da motocicleta do morto:
uma lustrosa Shadow 750, preta como a noite que os cercava, e em cujos detalhes
cromados o luar era refletido com magnitude.
- Como dizem: ao
vencedor, os espólios. – grunhiu com sarcasmo.
Seus amigos riram
enquanto ele dava partida no motor possante, que roncou, poderoso.
Bigorna era presidente
do Moto Clube Fênix, que cultivava uma rixa eterna com o pessoal do Moto Clube
Lobos, do qual o falecido Estevão era membro. Não raro as contendas entre ambos
os grupos terminavam em baixas para ambos os lados.
Montando suas potentes
motos estilo Custom, os Fênix
seguiram seu presidente rodovia adentro. Rumavam para o Ozônio, um movimentado bar à beira da estrada, frequentado
especialmente por motociclistas. Ali iriam se embebedar para comemorar a morte
de mais um adversário.
Entretanto, não
chegaram a rodar sequer um par de quilômetros.
Logo à frente havia
trinta motocicletas customizadas: Shadows.
Drag Stars. Boulevards. Harleys. Mirages. Vulcans.
Seus tanques negros e robustos,
caprichosamente encerados, rebrilhando ao luar. Todas as motos imponentemente
estacionadas, atravessadas na pista, barrando o caminho. Os Lobos estavam por toda parte. Cabelos
compridos. Barbas por fazer. Piercings. Brincos. Tatuagens. Coletes. Roupas de
couro repletas de correntes e medalhas. Grossas botas, apropriadas para pilotagem.
Silenciosos e imóveis,
fitando os adversários com fúria contida. A figura alta e musculosa de Fenrir,
o presidente dos Lobos, se destacava à frente do bando. Era mais que um
presidente de Moto Clube: era o líder de uma alcateia.
- Dá pra resolver isso
de um jeito sensato. – negociou Bigorna – Podem pegar a Shadow do seu amigo.
Fenrir meneou a cabeça
antes de dizer com sua voz poderosa e rouca:
- A devolução da moto é
pouco. Há um preço a ser pago.
- E o que é que vocês
querem?
- Carne fresca. –
replicou Fenrir.
Os membros do Fênix se
entreolharam, espantados.
Entre os Lobos, uma
figura sombriamente masculina se distinguiu.
Não podia ser!
Bigorna gemeu.
Estevão estava de pé,
vivo. A jaqueta ainda ensanguentada na altura do peito, esfacelado pelo tiro
que deveria ter sido fatal.
Lançando ao
transtornado Bigorna um olhar selvagem, bradou:
- Eu avisei que você
iria se arrepender.
E arremeteu velozmente
contra o inimigo paralisado de pavor.
No meio do caminho,
converteu-se em uma grande e medonha criatura, um misto de homem e lobo: um ser
de olhos amarelos, corpo musculoso recoberto de pelos, unhas longas e afiadas
em forma de garras, dentes enormes e agudos, uma mandíbula capaz de despedaçar
ao meio uma chapa de aço. Um espesso fio de saliva prateada a escorrer de sua
bocarra colossal. Estevão já não corria: agora trotava como bicho que se
tornara, ganhando velocidade em direção ao adversário.
O grito de terror que
Bigorna soltou ficou estrangulado na garganta dilacerada.
Metamorfoseando-se
também, os companheiros de Estevão atacaram os demais membros do Moto Clube
Fênix, sem dar-lhes qualquer chance de fuga.
Depois do massacre,
tendo se saciado com a carne e o sangue de seus inimigos, os Lobos retomaram
sua aparência humana. Subiram em suas motos, partindo acelerando dentro da
noite, correndo com a lua cheia.
Danilo Alex