“Milhares de criaturas espirituais caminham invisíveis sobre a Terra, tanto quando dormimos, como quando estamos acordados.”
(Milton)
A primeira coisa que Ehlon viu quando alcançou o terraço do edifício, foi um jovem de cabelos anelados, relativamente longos, sentado à beira do precipício, balançando desanimadamente as pernas sobre o vácuo. O garoto deveria aparentar por volta de dezessete anos e seu olhar era infinitamente triste. Sob o céu tingido de violeta pelo crepúsculo, ele olhava melancolicamente para baixo, observando o trânsito dos mortais, cinquenta andares abaixo dali. Estavam tão alto que, vistos de cima, os carros pareciam de brinquedo e as pessoas assemelhavam-se a formigas. Apesar da altura, podia-se perceber uma aglomeração de curiosos na calçada.
Ao lado do rapaz deprimido havia uma criatura que, a despeito de sua semelhança com um humano, tinha olhos rubros como sangue, bem como emanava uma aura ardente e malévola. Dirigindo-se então a essa criatura, Ehlon foi taxativo:
- Já conseguiu o que queria, Abrahor. Agora dê o fora daqui. Pare de perturbar Ayael. Ele merece um pouco de paz nesse momento.
Abrahor olhou com ódio para Ehlon antes de argumentar com voz cavernosa:
- É meu direito ficar e me vangloriar da vitória.
Lançando um olhar autoritário a seu interlocutor, Ehlon pousou a mão sobre o cabo da espada brilhante e estupenda que trazia na cintura:
- Eu não darei um segundo aviso. Vá embora enquanto pode.
Emitindo um grunhido frustrado de ira, mesmo contrariada a terrível entidade obedeceu, desvanecendo-se no ar imediatamente. Em seu lugar restou apenas o cheiro desagradável de enxofre.
Percebendo que estavam sozinhos, Ehlon aproximou-se do moço triste. Sem dizer nada, sentou-se ao seu lado na beira do terraço, encarando também o abismo. Permaneceram um instante assim, absortos, observando o tráfego humano lá embaixo. Viram as luzes vermelhas piscando alternadamente e ouviram a sirene de uma ambulância que se aproximava velozmente do local da aglomeração, dispersando parcialmente as pessoas ante sua passagem.
O garoto triste, que se chamava Ayael, consciente da presença do amigo, comentou em um sussurro:
- Os paramédicos já não podem fazer mais nada. Ele obviamente não sobreviveu à queda. Abrahor veio aqui zombar de mim, dizendo que havia acabado de levar a alma dele.
- Sinto muito, irmão. – balbuciou Ehlon, pesaroso.
Mais alguns segundos de silêncio constrangedor.
Ao lado do rapaz deprimido havia uma criatura que, a despeito de sua semelhança com um humano, tinha olhos rubros como sangue, bem como emanava uma aura ardente e malévola. Dirigindo-se então a essa criatura, Ehlon foi taxativo:
- Já conseguiu o que queria, Abrahor. Agora dê o fora daqui. Pare de perturbar Ayael. Ele merece um pouco de paz nesse momento.
Abrahor olhou com ódio para Ehlon antes de argumentar com voz cavernosa:
- É meu direito ficar e me vangloriar da vitória.
Lançando um olhar autoritário a seu interlocutor, Ehlon pousou a mão sobre o cabo da espada brilhante e estupenda que trazia na cintura:
- Eu não darei um segundo aviso. Vá embora enquanto pode.
Emitindo um grunhido frustrado de ira, mesmo contrariada a terrível entidade obedeceu, desvanecendo-se no ar imediatamente. Em seu lugar restou apenas o cheiro desagradável de enxofre.
Percebendo que estavam sozinhos, Ehlon aproximou-se do moço triste. Sem dizer nada, sentou-se ao seu lado na beira do terraço, encarando também o abismo. Permaneceram um instante assim, absortos, observando o tráfego humano lá embaixo. Viram as luzes vermelhas piscando alternadamente e ouviram a sirene de uma ambulância que se aproximava velozmente do local da aglomeração, dispersando parcialmente as pessoas ante sua passagem.
O garoto triste, que se chamava Ayael, consciente da presença do amigo, comentou em um sussurro:
- Os paramédicos já não podem fazer mais nada. Ele obviamente não sobreviveu à queda. Abrahor veio aqui zombar de mim, dizendo que havia acabado de levar a alma dele.
- Sinto muito, irmão. – balbuciou Ehlon, pesaroso.
Mais alguns segundos de silêncio constrangedor.
Finalmente Ehlon explicou de modo solene:
- Fui mandado para acompanhá-lo de volta.
Ayael se voltou para ele, e então Ehlon notou pela primeira vez que os olhos do outro anjo, de cor púrpura como o crepúsculo, derramavam sofridas e cristalinas lágrimas de luto.
- Não sei se quero voltar.
- Você precisa, irmão.
- Ehlon, não posso encarar o Criador depois disso. Eu falhei.
- Ele não te culpa pelo acontecido, e sofre com a perda dessa alma tanto quanto você.
- Gostaria de saber o sentido disso tudo. Ele poderia tornar as coisas diferentes se quisesse... – falou Ayael, sentido, enxugando as lágrimas que não paravam de correr.
- São as regras, Ayael. Você sabe. Livre-arbítrio.
Ehlon era solidário à dor do amigo. Sabia que Ayael, até então guardião de um dos filhos de Deus, carregaria para sempre o fardo de não encontrar seu protegido no Paraíso. Imaginava que, para um anjo, não haveria sofrimento ou tristeza maior.
Por isso, apertando encorajadoramente o ombro do companheiro, Ehlon completou:
- Você foi um bom mensageiro. Fez tudo o que estava ao seu alcance. Sempre o inspirou com a vontade divina, o protegeu quando ele solicitou ajuda, procurou incansavelmente mostrar-lhe o caminho da luz. Mas a decisão final é deles, meu irmão. Enquanto a humanidade não aprender a usar com sabedoria seu direito de escolha, estará à deriva no caos, prisioneira das consequências daquilo que decidir. Fazemos nossa parte. Eles têm que aprender a fazer a deles.
Ayael assentiu antes de dizer:
- Até o último instante eu orei para que ele se arrependesse.
- Eu também. – confessou Ehlon – Não devemos, porém, perder nossa fé nos homens. Se Deus ainda acredita neles, nós também devemos acreditar.
Passando os braços ao redor do ombro de Ayael de maneira confortadora, delicadamente disse:
- Temos de ir agora. Nosso Pai nos aguarda.
Ayael concordou. Assim, abraçados fraternamente, os dois anjos desfraldaram suas belas asas e alçaram voo majestosamente, retornando para seu Lar Celestial.
Cinquenta andares abaixo, a multidão se dispersou quando a ambulância partiu levando consigo o corpo de um humano que, para o bem ou para o mal, fizera uso de seu maior direito inato: o Livre-arbítrio.
- Fui mandado para acompanhá-lo de volta.
Ayael se voltou para ele, e então Ehlon notou pela primeira vez que os olhos do outro anjo, de cor púrpura como o crepúsculo, derramavam sofridas e cristalinas lágrimas de luto.
- Não sei se quero voltar.
- Você precisa, irmão.
- Ehlon, não posso encarar o Criador depois disso. Eu falhei.
- Ele não te culpa pelo acontecido, e sofre com a perda dessa alma tanto quanto você.
- Gostaria de saber o sentido disso tudo. Ele poderia tornar as coisas diferentes se quisesse... – falou Ayael, sentido, enxugando as lágrimas que não paravam de correr.
- São as regras, Ayael. Você sabe. Livre-arbítrio.
Ehlon era solidário à dor do amigo. Sabia que Ayael, até então guardião de um dos filhos de Deus, carregaria para sempre o fardo de não encontrar seu protegido no Paraíso. Imaginava que, para um anjo, não haveria sofrimento ou tristeza maior.
Por isso, apertando encorajadoramente o ombro do companheiro, Ehlon completou:
- Você foi um bom mensageiro. Fez tudo o que estava ao seu alcance. Sempre o inspirou com a vontade divina, o protegeu quando ele solicitou ajuda, procurou incansavelmente mostrar-lhe o caminho da luz. Mas a decisão final é deles, meu irmão. Enquanto a humanidade não aprender a usar com sabedoria seu direito de escolha, estará à deriva no caos, prisioneira das consequências daquilo que decidir. Fazemos nossa parte. Eles têm que aprender a fazer a deles.
Ayael assentiu antes de dizer:
- Até o último instante eu orei para que ele se arrependesse.
- Eu também. – confessou Ehlon – Não devemos, porém, perder nossa fé nos homens. Se Deus ainda acredita neles, nós também devemos acreditar.
Passando os braços ao redor do ombro de Ayael de maneira confortadora, delicadamente disse:
- Temos de ir agora. Nosso Pai nos aguarda.
Ayael concordou. Assim, abraçados fraternamente, os dois anjos desfraldaram suas belas asas e alçaram voo majestosamente, retornando para seu Lar Celestial.
Cinquenta andares abaixo, a multidão se dispersou quando a ambulância partiu levando consigo o corpo de um humano que, para o bem ou para o mal, fizera uso de seu maior direito inato: o Livre-arbítrio.
(Danilo Alex da Silva)
Nenhum comentário:
Postar um comentário