Chovia
naquela manhã cinzenta e fria de dezembro. Ele se lembrava muito bem, era uma
terça feira. Seus olhos castanhos, enevoados pelo luto, se haviam fixado no
nome entalhado na lápide. O funeral tivera seu fim poucos momentos antes e as
pessoas, munidas de guarda-chuvas negros, se afastavam em direção à saída do
imenso cemitério. Com uma sensação de torpor a percorrê-lo, ele recebeu os
pêsames de cada um que o cercou, na tentativa débil de amenizar um pouco o
sofrimento de sua perda. Parentes, amigos, colegas ou apenas curiosos, ele não
reparou em nenhum daqueles rostos familiares. Parecia alheio a tudo, era como
se não estivesse acontecendo com ele. Quando as pessoas se foram, a solidão
confortou-o melhor do que todos aquelas manifestações de solidariedade, que o
obrigavam a murmurar um “obrigado” quase maquinal. Ficou sozinho com sua dor e
seus pensamentos. Olhou ao redor e viu as lápides, blocos frios de mármore e
concreto que marcavam o fim de diversas vidas humanas. Mais uma vez olhou para
o túmulo daquele que lhe dera a vida vinte anos atrás. Subitamente fechou o
guarda-chuvas, permitindo que as frias gotas que despencavam das nuvens se
misturassem às lágrimas quentes que escorriam pelo seu rosto, fazendo com que
seus olhos ardessem. Quem sabe a chuva lavasse de sua alma toda a agonia que se
apoderara dele?
Morte:
implacável, inesperada, traiçoeira, impiedosa. Eis a única certeza da vida, e
mesmo assim nunca estamos devidamente preparados para enfrentá-la. Nossa morte
é certa; todo o resto é mera especulação. Constantemente ele se surpreendia
evitando pensar nela, mas isso não impediu que ela o separasse de alguém a quem
amava. Ela podia se apresentar de várias formas. Dessa vez fora câncer,
provavelmente o mal do século. Descoberta tardia, sintomas agravados,
tratamento iniciado às pressas que, infelizmente não tivera tempo de surtir o
efeito desejado. E lá se fora seu pai. Simples assim; sem conversa, sem
negociações, sem misericórdia nem protestos. A vida seguira seu curso
inalterável. E a morte também. Aquele a quem amava morrera para esta vida
terrena, mas nascera para a eterna. Enxugou os olhos vermelhos com as costas
das mãos e lembrou-se das palavras do sacerdote, pouco antes que se descesse o
caixão à cova: “Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá.” Morrer para
esta vida era nascer para a próxima, sem dor, nem tristeza nem agonia, e nem
preocupações.
-
Meu pai não morreu. - balbuciou para si, confortado pela própria voz. - Ele
vive em mim, na minha memória, em minhas atitudes. A morte não tem poder para
destruir nosso amor.
Essa
certeza reduziu a dor e lhe renovou a esperança. Muitas pessoas veriam aquela
lápide, leriam aquele epitáfio, talvez se inclinassem e fizessem uma oração.
Porém, o que elas não sabiam, é que o pai daquele jovem não se encontrava ali.
Estava vivo e presente em cada conquista de seu filho, em cada olhar, em cada
boa ação, em cada vez que o rapaz se ajoelhasse para orar. Seu pai estaria em
cada lágrima vertida, seja de alegria ou tristeza. Estaria no vento que tocava
seu rosto, no ar que ele respirava e nas pessoas que ele amava. Estaria em cada
raio de sol que o aquecesse, em cada abraço, em cada sorriso. Isso se daria
porque a matéria, ainda que finita, não importa quando duas almas estão
realmente conectadas. Ele então se virou e começou a caminhar com passos lentos
em direção à saída. Tinha muito o que fazer, muito a construir. Queria ter boas
notícias para contar quando um dia se reencontrassem. Queria honrar a memória
daquele que partira desejando que ele vivesse intensamente cada segundo como se
fosse o último. Notou que já não sofria, paz e alívio se apoderavam dele.
Naquela manhã sepultara apenas a tristeza e a dor da ausência. Seu pai não
ficara naquela cova; ao contrário, partia com ele mais vivo do nunca, dentro de
seu coração.
Por Danilo Alex da Silva
In Memoriam de Pacífico dos Santos
Sentimentos expressados de forma pura e verdadeira...Parabéns pelo texto...
ResponderExcluirBye Sara
Obrigado, Sara!
ResponderExcluirbjão