Conforme
esperava o tempo passar, aguardando o momento de agir, Dean Winchester
sentou-se na beira de sua cama de hotel. Sozinho no quarto, pacientemente
dedicou-se ao minucioso processo de limpar cada uma de suas armas.
Testava
molas. Ele as desmontava, lubrificava peça por peça, limpava o cano delas com o
que parecia uma pequena bucha, erguia as armas desmontadas e, fechando um olho
como um homem que fizesse pontaria, olhava através do cano, a fim de
certificar-se de que removera toda e qualquer sujeira, bem como para saber se o
uso frequente não havia causado danos; se fosse esse o caso, seria necessário realizar os devidos reparos, já que uma arma de fogo
avariada pela utilização pode ter seu desempenho comprometido, o que seria
letal para qualquer um, principalmente para um caçador. Depois de limpar e
lubrificar cada arma, ele a municiava, acionava a trava de segurança daquelas
que possuíam, e colocava a arma de lado, repetindo todo o processo com a
próxima.
Meticuloso
como um barbeiro afiando sua navalha ou como um músico de orquestra afinando
seu instrumento, Dean Winchester cuidava de seu arsenal com a perícia de um
fuzileiro naval. Orgulhava-se de nunca uma arma sua ter emperrado na hora de um
tiroteio. Na expressão concentrada e nos seus olhos atentos percebia-se a maior
das habilidades que herdara de John Winchester: o profissionalismo.
Na
verdade, Dean preparara todo seu arsenal como sempre fazia, por disciplina e
precaução, embora soubesse que, para o confronto daquela noite, ele precisaria
de apenas uma arma: Sua poderosa escopeta calibre doze de cano duplo serrado,
carregada com cápsulas de sal grosso, munição que ele e o pai desenvolveram
especialmente para as caçadas que envolvessem fantasmas. Estando com os canos
serrados, a potente arma tinha maior dispersão no disparo (é exatamente o que
se necessita ao combater um fantasma, a precisão não é tão importante porque o
tiro é praticamente “à queima-roupa”), era mais fácil de transportar e esconder
sob o casaco, por exemplo, e oferecia mais praticidade porque pode ser
empunhada com apenas uma mão. Além da escopeta, no porta-malas do Impala também não poderiam faltar uma
pá, saleiro grande, próprio para churrasco, um galão médio de gasolina e um
isqueiro. O ritual era sempre o mesmo quando se caçava um espírito vingativo:
encontrar a cova, cavar, salgar e queimar o corpo. No cartucho da arma, o sal
grosso repele a aparição. No saleiro para churrasco, serve para purificar o
corpo. O fogo serve como purificador definitivo, pois o processo crematório
liberta o espírito atormentado para o descanso eterno. O problema é que muitas
vezes o fantasma aparecia para tentar impedir o caçador. Por isso Dean portava sua
escopeta cano duplo serrado, parecida com aquelas que seus heróis dos filmes de
faroeste portavam.
Exatamente
quinze minutos passados da meia-noite, Dean deixou o quarto de hotel carregando
suas “ferramentas de trabalho”, entrou no Impala e dirigiu até o cemitério.
Chegando lá, localizou a cova e pôs-se ao trabalho: pendurou a jaqueta marrom
na lápide, enfiou a curta escopeta na cintura, empunhou a pá e começou a cavar.
Era uma noite sem lua e de poucas estrelas, e a cova de Jayden Alyssa Grace
situava-se junto à base de uma frondosa árvore, o que reduzia bastante a já
escassa luminosidade. Por esse motivo, Dean entrara com a Baby no campo santo, dirigindo cuidadosamente ao longo da via
própria para cortejos, a qual serpeava entre as numerosas lápides e sepulturas.
Deixara o carro apontado para o túmulo de
Jayden com os faróis ligados, a fim de iluminar seu trabalho, enquanto ele
cavava e fazia o que tinha de fazer. Banhado pela potente luz sépia de seu Impala, Dean descansou por um momento,
enfiando a pá na terra e apoiando-se nela depois de enxugar o suor da testa.
Olhou ao redor, vendo-se cercado por trevas e silêncio. Grilos cricrilavam na
escuridão e uma coruja solitária piou ao longe. O silêncio mortal apenas foi
quebrado pelo som rascante da pá revirando a terra tão logo o caçador voltou ao
trabalho. Instantes mais tarde, a pá atingiu uma superfície de madeira. Na borda
da cova, Dean removeu com a ferramenta a tampa do esquife. O cheiro que surgiu
não era agradável. A visão do esqueleto também não.
Virando
o rosto para evitar ao menos em parte o mau cheiro, Dean muniu-se do saleiro e
sacudiu-o repetidamente acima da cova, espalhando o tempero de alto a baixo
sobre o caixão e os restos mortais daquela que um dia fora uma bela jovem.
Depois
de salgar o corpo, pôs de lado o saleiro, despejou uma quantidade considerável
de gasolina sobre o caixão aberto e procurou no bolso da calça o isqueiro.
Sacou-o e o acendeu. Estava prestes a queimar o corpo e finalizar o serviço
quando, o que parecia ser um trabalho tranqüilo, começou a mudar.
Os
faróis da Baby inesperadamente
piscaram e depois se apagaram; Dean estaria mergulhado na escuridão total não
fosse o isqueiro aceso em sua mão. O caçador sentiu a temperatura cair dez
graus. Uma brisa sinistra e repentina soprou forte dentro da noite, extinguindo
a chama de seu isqueiro.
Trevas.
Ele
se preparou para o pior.
Assim
que seus olhos se habituaram à falta de luz, parado dez metros à sua direita o
rapaz visualizou o assustador espectro de Jayden Alyssa Grace encarando-o
fixamente com ódio mortal em seus olhos negros e assassinos.
—
Ei, olá! — saudou Dean aparentando calma extrema — Estava me perguntando se
você não ia aparecer para o churrasco. Chegou bem a tempo.
O
fantasma continuou encarando-o furiosamente, sem se mexer. Por vezes sua imagem
tremeluzia, como uma lâmpada vitimada por falha elétrica ou uma projeção
holográfica com defeito.
—
Jayden Alyssa Grace — falou Dean e depois acrescentou com seu senso de humor característico,
mesmo em face dos piores perigos — Seu último nome, Grace, foi inspirado naquele hino, Amazing Grace? — à medida que falava, o jovem Winchester deslizava
lentamente a mão até a arma na cintura.
No
momento em que a assombração o atacou, ele ergueu rapidamente a escopeta e
puxou o gatilho que disparava apenas um tiro de cada vez. A arma dispunha de
dois gatilhos: um para disparos em sucessão, e um para desfechar dois projéteis
ao mesmo tempo. Percebeu que sua escolha
de desferir um tiro de cada vez fora acertada ao entender a artimanha do espectro,
que desapareceu no momento em a arma trovejou escoiceando na mão do atirador. O
tiro alvejou o nada. Jayden reapareceu atrás de Dean antes que ele pudesse
esboçar reação e o empurrou brutalmente com as duas mãos.
O
caçador sentiu os pés saírem do chão e viu-se projetado violentamente contra o
tronco da árvore, ao qual sentiu as costas se chocarem. Uma explosão aguda de
dor. Uma fisgada na altura das costelas. Achou que alguma delas tinha se
partido quando se estatelou. Perdeu o fôlego. Sentiu a arma firmemente presa na
mão direita, mas percebeu que o isqueiro escapulira de seus dedos. Praguejando,
procurou se levantar.
As
costas ardiam. A respiração era difícil. Seus olhos não distinguiam quase nada
na escuridão. Tinha que achar o isqueiro. Percebeu uma movimentação
sobrenatural um pouco à frente e levantou a escopeta. Sem o isqueiro, tudo
aquilo seria em vão. Dispunha de apenas mais uma bala. Depois desse tiro, seria
preciso recarregar a arma, introduzindo mais duas cápsulas na câmara. Isso
exigiria tempo, um tempo que não tinha. Se recarregasse a arma, não conseguiria
achar o isqueiro. Precisava optar. Deveria gastar a última bala com sabedoria.
“O
que papai faria se estivesse aqui no meu lugar?” – perguntou-se.
Teve
uma ideia. Jayden avançava novamente em sua direção, levitando com rapidez. Dean
ergueu a escopeta e bradou:
—
Gosta de empurrar os outros, não é, sua maldita? Sente só o “empurrãozinho” que
vou te dar agora.
O
espírito parecia determinado a acabar com seu caçador. Avançou com uma careta
de ódio. Sem esperar mais, Dean apertou o gatilho. A escopeta rugiu com
ferocidade em sua mão. A língua de fogo provocada pelo tiro rasgou a noite,
clareando por um curto instante a área diante do rapaz. A nuvem de sal grosso
dispersada repeliu Jayden, incapacitando-a temporariamente. Antes que a
escuridão voltasse a reinar por completo, Dean Winchester avistou o isqueiro
caído a poucos passos da cova aberta.
Tinha
pouquíssimo tempo antes de o fantasma voltar. Em questão de segundos Jayden
ressurgiria. Sem mais esperar, o jovem caçador correu e saltou, mergulhando na
escuridão, seguindo o instinto em direção ao último lugar onde avistara o
isqueiro.
No
exato momento em que seus dedos se fecharam ao redor do precioso objeto, uma
força sobrenatural fez com que Dean se virasse de barriga para cima. Dedos
gelados comprimiram sua garganta ferozmente, garras tenazes da morte tentando
esmagar sua traqueia, obstruindo a passagem de ar, que já era dificultada pela
dor extrema na altura das costelas. Debatendo-se vigorosamente, lutando para se
desvencilhar, o rapaz começou a sentir a visão embaçar, mas, mesmo através da
névoa, divisou o rosto aterrador de Jayden Alyssa Grace flutuando acima dele.
Ele
sentiu que sua vida se esvaía. Se não reagisse, em poucos instantes estaria tão
morto quanto Jayden.
À
beira de perder a consciência, esticou-se ao máximo, acendeu o isqueiro e
alcançou a borda da cova. O objeto caiu aceso dentro do buraco, aterrissando em
cheio no caixão. Uma pequena centelha encontrou a gasolina e o fogo se alastrou
rapidamente. Logo todo o esquife foi tomado pelas chamas, e corpo sofreu a
devida cremação.
Dean
Winchester viu o fantasma acima de si assumir um tom laranja-avermelhado;
Jayden jogou a cabeça para trás e soltou um grito pavoroso de dor. Depois, se dissipou,
transformando-se em uma nuvem de infinitas fagulhas ardentes, idênticas àquelas
que surgem quando atiçamos carvão em brasa numa lareira.
A
temperatura voltou ao normal e os faróis do Impala
se acenderam, como se fossem olhos sonolentos na escuridão.
Caído
de barriga para cima na beira da cova, ofegando, mais morto do que vivo, Dean
exclamou com voz rouca:
—
Cara, eu preciso de férias.
***
Continua...
Continua...
Danilo Alex da Silva