sábado, 19 de dezembro de 2015

O Dilema de Dean Winchester - Parte III





Depois de deixar o hospital no qual Roy Power estava internado, Dean resolveu checar a sombria esquina onde os supostos suicídios estavam acontecendo. Quando subiu a antena e ligou o Medidor de Ondas Eletromagnéticas (o seu famoso EMF), o mesmo acusou imediatamente as alterações no ambiente, emitindo seu zunido característico entrecortado por pequenos estalos que lembravam um pipocar. O aparelho simplesmente pirou: as luzes vermelhas piscaram incessantemente, os ponteiros giraram sem controle. Conforme o jovem Winchester já imaginava, havia uma presença sobrenatural naquele lugar, algo que realmente estava empurrando as pessoas, fazendo parecer com que elas cometessem suicídio. E se havia uma presença maligna incomum ali, Dean precisava combatê-la rapidamente, antes que mais alguém fosse vítima daquela armadilha mortal invisível.

Olhando ao redor à procura de mais alguma pista ou algo que pudesse ajudá-lo na investigação, Dean viu uma câmera de vigilância instalada sob uma marquise do supermercado construído no lugar do antigo prédio abandonado, o mesmo mercado onde Roy estivera antes de alguma coisa tentar matá-lo. Embora a câmera de segurança estivesse em um ponto discreto e fosse preciso muita atenção para enxergá-la ali, ela fora estrategicamente colocada, e seu ângulo certamente englobava o malfadado cruzamento de trânsito, de modo que o caçador teve certeza de que a imagem da “tentativa de suicídio” de Roy Power fora capturada e devia constar ainda nos registros, uma vez que o incidente ocorrera poucos dias antes.

Entrando no supermercado, Dean pediu para falar com o gerente. Apresentou as credenciais falsas, explicou que estava investigando a recente onda local de suicídios e pediu para visitar a sala de videomonitoramento, porque precisava averiguar algumas das imagens armazenadas.

— Realmente uma lástima tantas mortes. Essa esquina é bastante perigosa mesmo. — afirmou tristemente o gerente, para em seguida perguntar, estranhando — Mas não sabia que o FBI tinha interesse nesse caso, agente Kilmister. Desde quando o Bureau investiga suicídios?

Dean pigarreou e aproximou-se para falar em tom mais baixo, como se segredasse algo extremamente confidencial:

— Temos motivos para acreditar que as pessoas foram induzidas a se atirarem na frente dos carros. E se alguém é induzido a se matar, isso não configura suicídio, mas homicídio.

— O que está me dizendo é terrível, agente! Já tem idéia de quem possa estar fazendo uma coisa dessas?

— É o que estou tentando descobrir. Antes que pergunte: sim, tenho um suspeito em mente, mas essa informação é sigilosa. Se eu te contasse, teria que matar o senhor.

O homem estremeceu e Dean esboçou um sorriso divertido. Assim que o gerente saiu, Dean ocupou-se em manusear o equipamento de videomonitoramento.  Retrocedeu cuidadosamente as imagens até o dia do acidente envolvendo o senhor Roy Power. Rebobinar as imagens exigiu um tempo considerável, mas felizmente Dean era paciente, uma característica fundamental a todo caçador.

Finalmente o jovem Winchester reconheceu no vídeo o rosto de Roy Power. Tudo ocorreu conforme o pobre homem narrara: se aproximou da esquina carregando sacolas de compras, e aguardava prudentemente na calçada a mudança do semáforo, indicando que podia atravessar com segurança. Segundos antes de o vídeo mostrar a colisão da van com o homem, curiosamente surgiu um defeito na gravação. A imagem ficou distorcida por um momento e não foi possível ver com clareza o que aconteceu. Um segundo mais tarde, a tela mostrava a van parada meio de lado na pista e a figura de um homem estatelado no asfalto, rodeado por sacolas rasgadas, caixas de leite e cereais, e latas de conserva.

Apertando os olhos, Dean desconfiou daquela interferência na gravação e retrocedeu um pouco a imagem até o instante que precedeu o acidente. Assistiu novamente a cena, mas agora usando o efeito de câmera lenta. Então, dessa vez ele pode ver claramente um espectro branco no vídeo, ao lado de Roy Power. Empurrando o homem em direção à rua movimentada, fazendo com que ele fosse atropelado pela van em disparada. Voltando a cena mais uma vez, Dean Winchester pausou as imagens que se desenrolavam em câmera lenta exatamente no instante em que o vulto aparecia. Era uma mulher de estatura mediana, vestido preto, cabelos negros, expressão maligna e olhos mortos, que pareciam fitar diretamente o caçador, como se soubesse que ele estaria ali, vendo-a por meio do vídeo.

Dean reparou na hora em que o atropelamento ocorrera: faltavam dez minutos para as dezoito horas. Consultou seu próprio relógio e se deu conta que faltavam dezessete minutos para as dezoito horas. A mulher espectral no vídeo parecia um espírito vingativo, e entidades assim muitas vezes tem suas ações associadas ao momento e local de sua morte. Dean levantou-se e correu. Dispunha de poucos minutos para salvar a próxima vítima de ser empurrada para o meio do fluxo conturbado do rush. Passou ventando pelo gerente estupefato do supermercado, atravessou correndo a centena de metros que o separavam da rua e alcançou a porta exatamente às dezessete horas e cinqüenta minutos, torcendo para que não houvesse ninguém esperando para atravessar o cruzamento naquele instante.

Mas infelizmente havia.

Uma mulher jovem se encontrava às margens do asfalto, diante da faixa para pedestres, aguardando que o sinal mudasse para o verde. Muitas pessoas iam e vinham pela calçada, e ninguém reparou na jovem, com exceção de Dean Winchester, que correu em direção a ela. Enquanto corria, Dean percebeu que o clima esfriava drasticamente e, embora não pudesse ver, sabia que o espírito que aparecera no vídeo estava agora ao lado da mulher. E então viu quando a garota foi empurrada. Um observador menos atento poderia achar que a moça tropeçara ou que talvez o salto de seu sapato tivesse quebrado, fazendo-a oscilar perigosamente rumo ao fluxo. Mas Dean Winchester sabia que não era nada disso. Sentira o clima esfriar repentinamente e vira o modo como a moça violentamente perdera o equilíbrio sem explicação, exatamente como se alguém invisível a empurrasse. A ação sobrenatural era inconfundível aos seus olhos treinados.

A moça bracejou desajeitadamente tentando recuperar o equilíbrio sem sucesso e deu um passo cambaleante para o meio da avenida. Nesse momento o jovem Winchester a alcançou e, vigorosamente trouxe-a de volta para a calçada, puxando-a pela orla do sobretudo. Amparou-a. Dois segundos depois, um grande caminhão de granja carregado passou por eles em alta velocidade, fazendo ecoar sua buzina grave. Não havia possibilidade de frenagem. Se Dean não estivesse ali, a moça sofreria morte certa e instantânea.

— Você está bem? — perguntou o caçador segurando delicadamente a garota pelos ombros.

— Estou, obrigada. — agradeceu trêmula. Depois olhou seu salvador com intensidade antes de perguntar — Você sabia, não é? Chegou bem a tempo. Sabia o que ia me acontecer, não sabia?

— Não, senhorita. Era impossível saber. Apenas tive bons reflexos. Agora, por favor, espere aqui. O socorro já está vindo.

Quando a garota deu por si, seu misterioso herói já tinha sumido sem deixar vestígios.

***

Após salvar a mulher da morte certa, Dean entrou em seu Impala e rumou apressadamente para a Biblioteca Municipal de Saint Beatrice, a fim de checar os arquivos da cidade, registros de jornais, principalmente as sessões de obituário. Essa era uma das partes mais monótonas da caçada, porque exigia muita pesquisa e Dean, assim como John, preferia fazer as coisas à moda antiga, analisando recortes velhos de jornal e demais papeladas empoeiradas, amareladas pelo tempo. Sammy se sentia todo superior nessas ocasiões com seu notebook embaixo do braço, dizendo que o pai e o irmão deveriam se render à tecnologia.

— Se aquele nerd estivesse aqui, já teríamos descoberto o que preciso saber. — murmurou Dean para si mesmo e sorriu.  Em seguida, recriminou-se por pensar no irmão e desviou o pensamento. Sammy se fora. Era a ovelha negra. Não se importava se John e Dean estavam vivos ou mortos.

 Concentrou-se na missão.

Pouco tempo depois encontrou a informação que precisava. Os arquivos diziam que oito anos antes uma jovem chamada Jayden Alyssa Grace sofrera uma morte terrível na malfadada esquina onde os suicídios estavam acontecendo. Jayden era gerente de uma loja de cosméticos, se casara havia seis meses, e estava indo para casa contar ao marido sobre a primeira gravidez, quando foi atropelada por um caminhão. O motorista estava embriagado. A pobre moça teve seu corpo despedaçado, de modo que, tanto velório quanto funeral tiveram de ser realizados com o caixão lacrado. Jayden Alyssa Grace tinha vinte e nove anos por ocasião de sua trágica morte no acidente, causada pela irresponsabilidade alheia. Diante da esquina onde tudo se passara, na época, havia um velho prédio que servia como pensão, uma espelunca onde se hospedavam aqueles que precisavam de uma diária mais em conta. Quando viu a foto em preto e branco da jovem, Dean teve certeza de que era a mesma garota do vídeo, aquela que estava empurrando as pessoas para a morte.

Ainda de acordo com os arquivos, os suicídios tinham começado a acontecer recentemente naquele cruzamento macabro. Consultando seu bloco de anotações, Dean Winchester se deu conta de que coincidentemente as mortes tiveram início logo depois que o supermercado construído no lugar do antigo prédio foi inaugurado.

Para o jovem caçador, agora a situação parecia bem clara. Jayden sofrera uma morte violenta oito anos antes, e as circunstâncias de seu óbito transformaram-na em um espírito vingativo, eternamente preso a um ciclo de dor, sofrimento e raiva. Por alguma razão que Dean ignorava, o perigoso espectro permanecera inativo, em estado de hibernação durante todo esse tempo. Quando puseram abaixo o antigo prédio, aquilo que um dia fora Jayden Alyssa Grace surgiu com apetite voraz de destruição, pois se sabe que implosões e demolições tem o poder de despertar espíritos vingativos os quais por acaso hibernem nas proximidades.  Moral da história: todo mundo que fosse fazer compras no supermercado e passasse por ali na hora do rush corria sério risco de ir parar involuntariamente sob as rodas de um carro ou ônibus, porque o espírito de Jayden assombrava o lugar maculado por sua morte brutal, movido unicamente pelo ódio e por sede de vingança. Cabia a Dean resolver essa questão.

Anotando o endereço do cemitério onde Jayden fora enterrada, Dean levantou-se, agradeceu à bibliotecária e saiu. Entrou no Impala e dirigiu até o hotel onde estava hospedado. Já era noite, mas ele precisava esperar que a madrugada caísse para que fazer aquilo que devia ser feito.

***


Continua...

Danilo Alex da Silva

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