Depois de deixar o hospital no qual Roy Power estava internado, Dean
resolveu checar a sombria esquina onde os supostos suicídios estavam
acontecendo. Quando subiu a antena e ligou o Medidor de Ondas Eletromagnéticas (o seu famoso EMF), o mesmo acusou imediatamente as alterações no ambiente, emitindo seu
zunido característico entrecortado por pequenos estalos que lembravam um pipocar. O aparelho simplesmente pirou: as luzes vermelhas
piscaram incessantemente, os ponteiros giraram sem controle. Conforme o jovem
Winchester já imaginava, havia uma presença sobrenatural naquele lugar, algo que
realmente estava empurrando as pessoas, fazendo parecer com que elas cometessem
suicídio. E se havia uma presença maligna incomum ali, Dean precisava
combatê-la rapidamente, antes que mais alguém fosse vítima daquela armadilha
mortal invisível.
Olhando ao redor à procura de mais alguma pista ou algo que pudesse
ajudá-lo na investigação, Dean viu uma câmera de vigilância instalada sob uma
marquise do supermercado construído no lugar do antigo prédio abandonado, o
mesmo mercado onde Roy estivera antes de alguma coisa tentar matá-lo. Embora a
câmera de segurança estivesse em um ponto discreto e fosse preciso muita
atenção para enxergá-la ali, ela fora estrategicamente colocada, e seu ângulo
certamente englobava o malfadado cruzamento de trânsito, de modo que o caçador
teve certeza de que a imagem da “tentativa de suicídio” de Roy Power fora
capturada e devia constar ainda nos registros, uma vez que o incidente ocorrera
poucos dias antes.
Entrando no supermercado, Dean pediu para falar com o gerente. Apresentou
as credenciais falsas, explicou que estava investigando a recente onda local de
suicídios e pediu para visitar a sala de videomonitoramento, porque precisava
averiguar algumas das imagens armazenadas.
— Realmente uma lástima tantas mortes. Essa esquina é bastante perigosa
mesmo. — afirmou tristemente o gerente, para em seguida perguntar, estranhando
— Mas não sabia que o FBI tinha interesse nesse caso, agente
Kilmister. Desde quando o Bureau investiga suicídios?
Dean pigarreou e aproximou-se para falar em tom mais baixo, como se
segredasse algo extremamente confidencial:
— Temos motivos para acreditar que as pessoas foram induzidas a se
atirarem na frente dos carros. E se alguém é induzido a se matar, isso não
configura suicídio, mas homicídio.
— O que está me dizendo é terrível, agente! Já tem idéia de quem possa
estar fazendo uma coisa dessas?
— É o que estou tentando descobrir. Antes que pergunte: sim, tenho um
suspeito em mente, mas essa informação é sigilosa. Se eu te contasse, teria que
matar o senhor.
O homem estremeceu e Dean esboçou um sorriso divertido. Assim que o
gerente saiu, Dean ocupou-se em manusear o equipamento de videomonitoramento. Retrocedeu cuidadosamente as imagens até o dia
do acidente envolvendo o senhor Roy Power. Rebobinar as imagens exigiu um tempo
considerável, mas felizmente Dean era paciente, uma característica fundamental
a todo caçador.
Finalmente o jovem Winchester reconheceu no vídeo o rosto de Roy Power.
Tudo ocorreu conforme o pobre homem narrara: se aproximou da esquina carregando
sacolas de compras, e aguardava prudentemente na calçada a mudança do semáforo,
indicando que podia atravessar com segurança. Segundos antes de o vídeo mostrar
a colisão da van com o homem, curiosamente surgiu um defeito na gravação. A
imagem ficou distorcida por um momento e não foi possível ver com clareza o que
aconteceu. Um segundo mais tarde, a tela mostrava a van parada meio de lado na
pista e a figura de um homem estatelado no asfalto, rodeado por sacolas
rasgadas, caixas de leite e cereais, e latas de conserva.
Apertando os olhos, Dean desconfiou daquela interferência na gravação e retrocedeu
um pouco a imagem até o instante que precedeu o acidente. Assistiu novamente a
cena, mas agora usando o efeito de câmera lenta. Então, dessa vez ele pode ver
claramente um espectro branco no vídeo, ao lado de Roy Power. Empurrando o
homem em direção à rua movimentada, fazendo com que ele fosse atropelado pela
van em disparada. Voltando a cena mais uma vez, Dean Winchester pausou as imagens
que se desenrolavam em câmera lenta exatamente no instante em que o vulto
aparecia. Era uma mulher de estatura mediana, vestido preto, cabelos negros,
expressão maligna e olhos mortos, que pareciam fitar diretamente o caçador,
como se soubesse que ele estaria ali, vendo-a por meio do vídeo.
Dean reparou na hora em que o atropelamento ocorrera: faltavam dez
minutos para as dezoito horas. Consultou seu próprio relógio e se deu conta que
faltavam dezessete minutos para as dezoito horas. A mulher espectral no vídeo
parecia um espírito vingativo, e entidades assim muitas vezes tem suas ações
associadas ao momento e local de sua morte. Dean levantou-se e correu. Dispunha
de poucos minutos para salvar a próxima vítima de ser empurrada para o meio do
fluxo conturbado do rush. Passou
ventando pelo gerente estupefato do supermercado, atravessou correndo a centena
de metros que o separavam da rua e alcançou a porta exatamente às dezessete
horas e cinqüenta minutos, torcendo para que não houvesse ninguém esperando
para atravessar o cruzamento naquele instante.
Mas infelizmente havia.
Uma mulher jovem se encontrava às margens do asfalto, diante da faixa
para pedestres, aguardando que o sinal mudasse para o verde. Muitas pessoas iam
e vinham pela calçada, e ninguém reparou na jovem, com exceção de Dean
Winchester, que correu em direção a ela. Enquanto corria, Dean percebeu que o
clima esfriava drasticamente e, embora não pudesse ver, sabia que o espírito
que aparecera no vídeo estava agora ao lado da mulher. E então viu quando a
garota foi empurrada. Um observador menos atento poderia achar que a moça
tropeçara ou que talvez o salto de seu sapato tivesse quebrado, fazendo-a
oscilar perigosamente rumo ao fluxo. Mas Dean Winchester sabia que não era nada
disso. Sentira o clima esfriar repentinamente e vira o modo como a moça
violentamente perdera o equilíbrio sem explicação, exatamente como se alguém
invisível a empurrasse. A ação sobrenatural era inconfundível aos seus olhos
treinados.
A moça bracejou desajeitadamente tentando recuperar o equilíbrio sem
sucesso e deu um passo cambaleante para o meio da avenida. Nesse momento o
jovem Winchester a alcançou e, vigorosamente trouxe-a de volta para a calçada,
puxando-a pela orla do sobretudo. Amparou-a. Dois segundos depois, um grande
caminhão de granja carregado passou por eles em alta velocidade, fazendo ecoar
sua buzina grave. Não havia possibilidade de frenagem. Se Dean não estivesse ali,
a moça sofreria morte certa e instantânea.
— Você está bem? — perguntou o caçador segurando delicadamente a garota
pelos ombros.
— Estou, obrigada. — agradeceu trêmula. Depois olhou seu salvador com
intensidade antes de perguntar — Você sabia, não é? Chegou bem a tempo. Sabia o
que ia me acontecer, não sabia?
— Não, senhorita. Era impossível saber. Apenas tive bons reflexos. Agora,
por favor, espere aqui. O socorro já está vindo.
Quando a garota deu por si, seu misterioso herói já tinha sumido sem deixar
vestígios.
***
Após salvar a mulher da morte certa, Dean entrou em seu Impala e rumou apressadamente para a
Biblioteca Municipal de Saint Beatrice,
a fim de checar os arquivos da cidade, registros de jornais, principalmente as
sessões de obituário. Essa era uma das partes mais monótonas da caçada, porque
exigia muita pesquisa e Dean, assim como John, preferia fazer as coisas à moda
antiga, analisando recortes velhos de jornal e demais papeladas empoeiradas, amareladas
pelo tempo. Sammy se sentia todo superior nessas ocasiões com seu notebook embaixo do braço, dizendo que o pai e o irmão deveriam se
render à tecnologia.
— Se aquele nerd estivesse
aqui, já teríamos descoberto o que preciso saber. — murmurou Dean para si mesmo
e sorriu. Em seguida, recriminou-se por
pensar no irmão e desviou o pensamento. Sammy se fora. Era a ovelha negra. Não
se importava se John e Dean estavam vivos ou mortos.
Concentrou-se na missão.
Pouco tempo depois encontrou a informação que precisava. Os arquivos
diziam que oito anos antes uma jovem chamada Jayden Alyssa Grace sofrera uma morte terrível na malfadada esquina
onde os suicídios estavam acontecendo. Jayden era gerente de uma loja de cosméticos, se casara havia seis meses, e
estava indo para casa contar ao marido sobre a primeira gravidez, quando foi
atropelada por um caminhão. O motorista estava embriagado. A pobre moça teve
seu corpo despedaçado, de modo que, tanto velório quanto funeral tiveram de ser
realizados com o caixão lacrado. Jayden Alyssa Grace tinha vinte e nove anos por
ocasião de sua trágica morte no acidente, causada pela irresponsabilidade alheia.
Diante da esquina onde tudo se passara, na época, havia um velho prédio que
servia como pensão, uma espelunca onde se hospedavam aqueles que precisavam de
uma diária mais em conta. Quando viu a foto em preto e branco da jovem, Dean
teve certeza de que era a mesma garota do vídeo, aquela que estava empurrando
as pessoas para a morte.
Ainda de acordo com os arquivos, os suicídios tinham começado a acontecer
recentemente naquele cruzamento macabro. Consultando seu bloco de anotações,
Dean Winchester se deu conta de que coincidentemente as mortes tiveram
início logo depois que o supermercado construído no lugar do antigo prédio foi
inaugurado.
Para o jovem caçador, agora a situação parecia bem clara. Jayden sofrera
uma morte violenta oito anos antes, e as circunstâncias de seu óbito
transformaram-na em um espírito vingativo, eternamente preso a um ciclo de dor, sofrimento e raiva. Por alguma razão que Dean ignorava,
o perigoso espectro permanecera inativo, em estado de hibernação durante todo
esse tempo. Quando puseram abaixo o antigo prédio, aquilo que um dia fora Jayden Alyssa Grace surgiu com apetite
voraz de destruição, pois se sabe que implosões e demolições tem o poder de
despertar espíritos vingativos os quais por acaso hibernem nas
proximidades. Moral da história: todo
mundo que fosse fazer compras no supermercado e passasse por ali na hora do
rush corria sério risco de ir parar involuntariamente sob as rodas de um carro
ou ônibus, porque o espírito de Jayden assombrava o lugar maculado por sua morte brutal, movido
unicamente pelo ódio e por sede de vingança. Cabia a Dean resolver essa questão.
Anotando o endereço do cemitério onde Jayden fora enterrada, Dean
levantou-se, agradeceu à bibliotecária e saiu. Entrou no Impala e dirigiu até o
hotel onde estava hospedado. Já era noite, mas ele precisava esperar que a
madrugada caísse para que fazer aquilo que devia ser feito.
***
Continua...
Danilo Alex da Silva
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