Segurando firmemente o volante, e sem tirar os olhos da estrada, Dean
Winchester viajava em velocidade moderada. O rádio rodava uma das centenas de
fitas K7 do jovem caçador, as quais continham os grandes
clássicos do Rock And Roll. Um solo fenomenal de uma das canções
do AC/DC irradiava do aparelho, entretendo o caçador, tornando
sua viagem solitária um pouco menos deprimente e enfadonha.
O sensacional Impala 67 corria majestosamente por uma
rodovia deserta do interior do Colorado. A lataria negra, incansavelmente
polida por Dean, reluzia intensamente sob o sol desbotado do fim de tarde.
Confortavelmente instalado atrás da direção de seu tesouro sobre rodas,
Dean segurou por um momento o volante usando apenas a mão esquerda. Ato
contínuo, levou a mão direita ao lado do corpo, na altura das costelas, as
quais ainda estavam doloridas devido aos excessos da noite anterior. E quando
se pensa em excessos da noite anterior, não estamos infelizmente falando
de Myla, a bela garçonete que o atendera. Myla era um sonho. O
tempo que passou com ela foi a parte feliz da noite de Dean.
A dor nas costelas derivada dos excessos se deveu à parte um pouco menos
agradável da noite anterior do filho mais velho de John Winchester. E apesar de
amar o que fazia, o rapaz mesmo poderia dizer que seu macabro trabalho lhe
rendera aquela dor.
Voltemos um pouco no tempo, para que vocês possam entender melhor o que
foi vivenciado por Dean antes de chegar àquela lanchonete.
Dean Winchester tinha sido trazido ao Colorado por dois motivos. O
primeiro e mais óbvio, era ter encontrado claramente um caso para sua
investigação no jornal. E o segundo, porque o Colorado estava situado
coincidentemente no meio do caminho para onde ele pretendia ir, embora
relutasse a todo instante e procurasse de todas as maneiras adiar isso. Sim,
tinha a ver também com seu bendito dilema.
Dias antes, Dean lera e circulara em um jornal uma notícia sobre o alto
índice de suicídios que estavam acontecendo em determinada esquina de Saint
Beatrice, uma cidade perto de Denver, no Colorado.
Até aí, tudo certo; geralmente não havia nada de sobrenatural em suicídios.
Entretanto, um dos supostos suicidas, o qual sobrevivera, afirmara a um
repórter que não havia se atirado na frente do carro. Fora empurrado! Declarava
com veemência que amava a vida, não quisera se matar. Fora empurrado, e não
estava louco.
O depoimento da vítima (que permanecia anônima por discrição do
jornal) era contraditório ao de várias testemunhas, que garantiram ter visto o
homem se jogar no meio da movimentada rua, porque, no momento do ocorrido não
havia ninguém junto dele. Logo, era impossível que ele tivesse sido empurrado.
Sem mais esperar, Dean entrou no Impala e rumou para o
Colorado. Ele, John e Sammy já haviam investigado situações menos intrigantes.
Já embarcaram em caçadas por muito menos. Todo tipo de Mal deveria ser
detectado e exterminado, esse era o seu lema. Salvar pessoas. Caçar coisas. O
negócio da família.
Uma vez em Saint Beatrice, dirigiu-se até a sede do jornal
que publicara a notícia e insistia em manter o nome do sobrevivente em sigilo.
Para conseguir obter acesso à informação que precisava, exibiu uma credencial
falsa do FBI, apresentando-se como agente Lemmy
Kilmister.
— Lemmy Kilmister? — estranhou o
jornalista redator da matéria sobre o caso — Esse não é o nome do vocalista
do Motörhead?
Dean sorrira meio sem jeito antes de responder:
— Ora, essa! Um amante do bom e velho Rock. Isso mesmo, meu
coroa era um grande fã da banda. — e procurando desconversar, disse — Fico
feliz em saber que ainda há quem curta boa música de verdade. Fãs de country
music parecem dominar o país hoje em dia.
Com um pouco mais de paciência e persuasão, finalmente Dean conseguiu o
nome do sobrevivente e o endereço do hospital onde o mesmo se achava internado.
— É como já falei para os jornalistas, e como estou dizendo agora para o
senhor, agente Kilmister — explicou Roy Power, o homem que
supostamente tentara se suicidar e sobrevivera — Fui empurrado. Estava parado
na esquina, porque era horário de pico do trânsito. Esperava o sinal para
pedestres abrir, para que eu pudesse atravessar a rua em segurança quando —
juro por tudo que é mais sagrado, agente — eu senti duas
mãos nas minhas costas, me lançando no meio do trânsito. Algo me empurrou na
frente daquela van em alta velocidade. Eu não estou louco! Todos disseram que
não havia mais ninguém comigo na esquina no momento do acidente, mas eu sei o
que senti. Não enlouqueci! No momento carregava sacolas de compras do
supermercado. Para que ia fazer uma coisa dessas? Tenho trinta e cinco anos.
Estou no auge da minha carreira. Gozo de perfeita saúde. Tenho uma esposa que
me ama, e uma filhinha linda de três anos. Por que eu iria querer me
suicidar? Nunca tive nenhum quadro de depressão ou qualquer problema
psicológico dessa ordem, meu médico pode atestar isso. Nunca tomei remédios
controlados, ou algo que o valha.
Os olhos do homem eram suplicantes, quase chorosos:
— Os médicos disseram que posso estar alucinando em razão do trauma, mas
não estou. Falei a verdade. Por que ninguém me ouve? Você tem que acreditar em
mim, agente Kilmister!
Com uma palmada amistosa no braço do homem, Dean buscou tranqüilizá-lo:
— Fique calmo, senhor Power. O senhor ajudou muito, pode acreditar. O
FBI aprecia sua colaboração. Agora vou indo, está bem? Procure descansar.
Preciso apenas que me diga com exatidão o dia e a hora do seu... incidente.
Roy respondeu e Dean escreveu em um bloco de notas, agradecendo em
seguida.
Então o rapaz se despediu, levantou-se, encaminhou-se para a saída.
Já no umbral da porta, Dean voltou-se repentinamente, o cenho franzido
como se tivesse se lembrado de algo importante.
— Desculpe incomodá-lo um pouco mais, senhor Power. Uma última coisa
apenas. Dou minha palavra. O senhor disse que no momento do acidente, estava
carregando sacolas de compras?
— Isso mesmo. Voltava do supermercado.
— Esse supermercado fica ali nas redondezas?
— Sim, agente.
— E foi inaugurado recentemente?
— Sim, inauguraram há coisa de um mês.
— Um mês... — repetiu Dean pensativamente — Sabe se havia algo
anteriormente no local do supermercado? Se houve alguma demolição, ou algo do
tipo?
— Bem, sim. No lugar havia um velho prédio condenado de quatro andares,
abandonado, que costumava ser utilizado como abrigo por marginais e moradores
de rua. Então, contratou-se uma empreiteira para demolir o prédio e construir
no local o supermercado. Mas não entendo, agente Kilmister... Por que está
perguntando isso?
Dean sorriu tranquilizadoramente:
— Especulando apenas. Nada demais, não se preocupe. Muito obrigado mais
uma vez, senhor Power. Desejo a você uma boa recuperação.
— Agradeço muito, agente. Fiquei feliz em ajudar. Por minha vez, desejo
sorte em sua investigação.
— Obrigado, senhor Power — disse Dean já saindo do quarto — Vou precisar
mesmo.
***
Continua
Danilo Alex da Silva
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