Os anjos lutavam muito rápido, voando em círculos sob o temporal. Era como ver um raio enfrentar uma coluna flutuante de fogo. Atacar e defender. Avançar e recuar. Uma batalha horrenda sendo travada em uma das principais vias da cidade de São Paulo. Enquanto o combate se desenrolava, o vento rugia como nunca antes foi visto. Furiosamente arrastava o que viesse pela frente: latas de lixo, bicicletas, guarda-sóis, mesas de bar, animais, pessoas. Até alguns carros estavam sendo arrastados pela ventania sobrenatural. A água caia obliquamente e com violência sobre carros estacionados, rapidamente alagando ruas, parando o trânsito. A natureza, controlada pelos poderes angélicos de Raguel, estava mergulhando a cidade em um caos bem maior do que o normal.
No ar, a luta acontecia. Miguel se esquivou de um golpe desferido de cima para baixo, que muito provavelmente o partiria ao meio se o atingisse. Já vira Raguel combatendo antes. E testemunhara o estrago produzido pela Ira Dei. Girando o corpo e farfalhando as asas brancas encharcadas, o general do Céu, ao mesmo tempo em que fugia do golpe inimigo, utilizou o impulso de seu próprio giro e desfechou uma estocada vertical com toda a sua força, com toda a potência de sua arma. Raguel se defendeu, mas o impacto o lançou para longe, projetando-o brutalmente contra o prédio mais próximo. Isso fez com que perdesse o controle do vôo por pouquíssimos segundos, mas tempo suficiente para o contra-ataque de Miguel. O arcanjo prateado ricocheteou ao bater contra o edifício e, desgovernado, sendo expelido para longe, tentava ao mesmo tempo, desfraldar as asas e erguer a espada. No meio de sua trajetória seu corpo encontrou a Flamígera em riste. A lâmina flamejante perfurou a armadura prateada e penetrou a carne angelical do estômago de Raguel, ferindo-o e cauterizando-o concomitantemente.
Com um gemido, o arcanjo viu-se traspassado pela arma do irmão e estremeceu. Um filete de sangue azulado escorreu pelo canto de sua boca. Suas asas penderam no mesmo instante, murchas. Um zumbido estridente rasgou o ar e um jato de luz vazava do ferimento mortal, enquanto sua aura enfraquecia tão rapidamente quanto a vida que se esvaía. A Ira Dei escapou de seus dedos.
- Me perdoe, irmão. – disse Miguel de modo angustiado. Em seguida, puxou de volta sua espada de fogo, retirando-a do corpo angelical agonizante à sua frente.
Raguel então, como um pássaro ferido, precipitou das alturas e atingiu o solo de modo pesado e ruidoso. A espada Ira Dei caiu um instante antes dele, produzindo um ruído metálico rascante. O arcanjo jazeu tragicamente no meio da rua encharcada, meio imerso em uma poça de água; suas belas asas, prateadas e majestosas, servindo agora como mortalha tétrica. Tossia sangue azul em seus últimos momentos. As luzes dos postes nas proximidades queimaram e se arrebentaram. A tempestade urrava ao redor do arcanjo semimorto e o vento feroz lamentava a derrota de seu senhor.
Miguel pousou junto dele. Seu olhar era infinitamente triste. Contemplou as feições do irmão assolado por espasmos de dor. Ergueu repentinamente a espada e preparou-se para assestar o último golpe, aquele que chamamos de golpe de misericórdia. Entretanto, não pode desferi-lo. Alguém extremamente poderoso havia congelado o tempo. Miguel parecia uma estátua translúcida com a espada erguida acima da cabeça gloriosa, fitando o ensaguentado oponente tombado a seus pés. Aquele que havia parado o tempo era o único que podia se mover. Todo o cenário estava paralisado: os pingos de chuva estavam imóveis, oblíquos, em pleno ar frio da noite. Árvores tinham suas copas curvadas pela ação do vento, e assim se achavam naquele momento, como que petrificadas. O raio que riscava o nebuloso céu negro lá estava, parado, como uma serpente elétrica atravessando as nuvens. Pessoas inertes, como bonecos de cera, como um bando de adultos brincando de estátua. Os relógios parados. A própria Terra imóvel em seu eixo. Aquele ente poderoso a ponto de controlar o tempo, se aproximou sem pressa do par de arcanjos imobilizados. Vinha chapinhando na água da chuva, também estagnada e isso parecia diverti-lo.
Embora sem poder se mover, Miguel conseguiu enxergar o novo personagem. Não, aquele não era o Senhor Todo Poderoso. Era alguém a quem Miguel não via há muitas eras. Alguém que abandonara o Céu inúmeros éons antes. Ele naquele momento assumira a forma de um garotinho mortal loiro e sardento, de aproximadamente dez anos. Porém, seu rosto resplandecia indescritivelmente e seus olhos se assemelhavam a duas tochas. Estava em trajes modernos: camiseta, jeans e tênis. Sua aura poderosíssima emanava de seu pseudo corpo de infante. Não tinha asas aparentemente, mas, quando a luz do relâmpago congelado no céu o atingia, projetava no chão molhado sua sombra: e ela não tinha a forma de um garotinho mortal, mas a de um ser alto, esbelto e alado. O menino se aproximou e estacou diante de Miguel, com uma expressão séria no rosto inocente.
- Izakael... - disse Miguel em pensamento, estupefato.
Como se pudesse ouvi-lo, o garoto o mirou e sorriu. Estendeu a mão macia e afagou o rosto do general do Céu. Depois, agachou-se junto de Raguel e tocou o local ferido. A regeneração foi imediata e o machucado desapareceu como se nunca tivesse existido. O sangue também desaparecera e a aura do arcanjo da justiça divina brilhava intensamente mais uma vez.
- Meu lugar é aqui, meus amados. – disse o garoto com uma voz doce, mas sobrenatural. – O de vocês é ao lado de nosso Pai, na cúpula celeste. Já brigaram o bastante por minha causa. Chega.
Dito isto, um halo desceu do céu negro, fendendo as nuvens. A luz intensa envolveu Miguel e Raguel, e eles se viram rapidamente abduzidos por ela.
- Um dia nos reencontraremos. – disse o garotinho pensativamente.
Então, ele estalou os dedos e o tempo voltou a correr naturalmente na mesma hora. Quanto ao menino, afastou-se saltando alegremente nas poças d’água, enquanto a vida fluía novamente ao seu redor, e a tempestade se dissipava tão repentina e extraordinariamente quanto começara.
No dia seguinte, em todos os veículos da mídia noticiava-se a estranha tempestade da tarde anterior e suas conseqüências. Felizmente ninguém se ferira seriamente.
Vejamos o que dizia o telejornal de uma emissora bastante conhecida:
“– Você tem agora imagens da Avenida Paulista, um dos locais mais afetados pela misteriosa tempestade de ontem – dizia a bela repórter, extremamente séria – Os meteorologistas estão em polvorosa, pois não havia sinal de tempestade prevista para ontem, muito menos dos ventos que varreram a rua a quase 100 km/h. Vamos entrevistar agora esse cidadão, o qual afirma ter uma revelação surpreendente sobre o temporal de ontem.”
Nesse ponto a câmera deu um close no rosto grave de um empresário muito bem vestido, cuja expressão denotava sua confusão mental naquele momento. Com o microfone diante da boca, o homem disse, muito pálido:
- “Ontem deixei meu carro estacionado em frente ao prédio onde trabalho. Após o temporal, percebi que tinha desaparecido. Naturalmente dei parte à polícia, julgando ter sido roubado. Hoje de manhã recebi a ligação de um bombeiro me dizendo que tinham encontrado meu carro. Neste momento há um helicóptero e uma grua trabalhando para retirar o meu automóvel do sexto andar do prédio vizinho ao que eu trabalho. O carro simplesmente estava encravado no escritório de um amigo meu, tendo entrado pela janela. Veja bem, não era um Fusca; era um Ford Fusion preto. Ainda não consigo acreditar nisso. Como ele foi parar lá?”
A resposta para esse enigma estava no próprio vídeo, embora sutilmente. Enquanto esse empresário fornecia seu fantástico depoimento, do outro lado da rua havia um bar. Na hora em que a entrevista foi gravada, o som desse bar estava ligado em um volume considerável. Saindo de um possante par de caixas de som, a voz de Cássia Eller cantava, acompanhada por um violão muito bem tocado:
-“Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora
E vi dois sóis num dia
E a vida que ardia sem explicação
Não tem explicação
Explicação não tem, não tem.”
Fim
É isso ai, galera! Espero que tenham gostado do texto. Gosto demais de temas sobrenaturais, principalmente vampiros e anjos. Então, quis compartilhar essa minha paixão com vocês, por meio deste conto.
Pelo visto, estou mesmo sem moral: ninguém deixou comentário! :( rsrsrsrs
Obrigado pelo carinho de sempre, meu povo!
Abraços e
Até a próxima!
Danilo Alex da Silva
Daniloo, que massa!! ameei o texto, não conseguia parar de ler, parabens.
ResponderExcluirOiii!
ResponderExcluirObrigado,fico felizão que tenha gostado!
Volte sempre, L ♥
bjão
Danilo... kkkkk realmente muito bom... Vc tá de parabéns... Particularmente to revirando seu blog de cabeça pra baixo... adorando. ... Arielly
ResponderExcluirArielly, minha lindaaaa!
ResponderExcluirGostou então? Se você, que é super fã de Sobrenatural, aprovou meu humilde conto, fico mais que lisonjeado. ^^ rsrs
Fique à vontade, sinta-se em casa, o blog é nosso.
Adorarei receber mais visitas suas e, principalmente, mais comentários seus. *-*
Volte sempre!
Bjo
Caramba, Danilo!
ResponderExcluirFechou da melhor forma possível. Gostei da forma como você usou a música como um pano de fundo, e devo dizer que se encaixou perfeitamente. Como já havia te falado, a parte que mais gostei foram os diálogos, pois foram bem verossímeis para mim.
O garotinho do final deu uma cara muito mais consistente para o texto, não sei dizer como, mas esse artifício fechou com chave de ouro para mim, e foi a cena mais nítida de todas.
Gostei do que escreveu, e vou procurar ler mais de seus trabalhos.
Parabéns, você manda muito bem!