"Veja, o criminoso está sozinho sob o sol ardente
Os desertos hostis agora são seu lar
Não há sinal de vitória, Ele perdeu sua liberdade
E a única mulher que amou"
(Renegade - Hammerfall)
Ao cair da noite seis cavaleiros adentraram Conquest City ruidosamente. O tropel das patas mesclava-se à respiração resfolegante dos animais suados e cobertos de lama, provavelmente do rio Greymer, que não ficava distante da cidade. Os homens sobre as selas pareciam tão ou mais cansados que suas montarias, o que significava que haviam viajado bastante até ali. Conduziram seus cavalos num trote tranquilo pela rua principal, as ferraduras afundando constantemente na terra fofa. Depois de tantos quilômetros, suas montarias mereciam algum descanso.
Desse modo, os seis viajantes detiveram-se diante do saloon Night Train e desmontaram. Amarraram seus animais na grade de madeira diante da varanda do estabelecimento, e entraram para tomar um trago primeiro, para depois irem registrar-se naquela espelunca que os habitantes da cidade chamavam de hotel. Antes que entrassem, um dos seis pensou ter ouvido o crocitar de um corvo dentro da noite, em algum lugar acima deles, e estremeceu. Assim como o velho Larry, o viajante também acreditava que corvos eram aves diabólicas. Foi subitamente assolado por um mau pressentimento, mas o mesmo durou apenas um instante. A seguir, deu de ombros e, girando nos calcanhares, acompanhou seus amigos.
Quando empurraram as duplas portinholas vaivém, a música cessou abruptamente e o riso morreu nos lábios dos presentes. Todos os olhares convergiram para a entrada do saloon. Mesmo nunca antes tendo pisado em Conquest City, os seis recém-chegados foram imediatamente reconhecidos.
Isto se deu, porque seus rostos estavam estampados em cartazes de foragidos da lei em quase todas as cidades da região. Eram malfeitores da pior espécie, procurados em metade dos estados do país, por acusações que iam desde roubo de gado até estupro e homicídios. Não havia em todo o Oeste um só xerife, um só delegado federal que não soubesse quem eram aqueles seis, e o que eles eram capazes de fazer. Cada representante da lei daquelas bandas almejava capturar aqueles bandidos, mas todos os que tentaram estavam agora prestando contas diante do Altíssimo, talvez antes do planejado. A velocidade dos facínoras ao gatilho parecia muito acima do natural; um presente sombrio do diabo aos seus embaixadores na Terra.
Portanto, como ninguém ali queria morrer, os músicos voltaram a trabalhar e o barman, que já conhecemos porque era o velho Larry, proprietário do saloon, tratou de apressar-se em servir os perigosos novos clientes. Acreditava que aqueles pistoleiros, se fossem bem atendidos, talvez não causassem nenhum problema.
- Sabia que boa coisa não vinha por aí... – rosnou baixinho Larry para si mesmo, enquanto tentava servir os bandidos sem que suas mãos tremessem tanto – Malditos corvos!
Da mesma forma, tentando disfarçar a repugnância que sentiam quando tocadas por aqueles homens, duas coristas resignadas, acompanhando dois daqueles patifes, subiram a velha escada de madeira em direção aos reservados, os degraus rangendo alto quando eles passavam. Os outros permaneceram no andar de baixo com o restante dos clientes, jogando, apreciando a música alegre do piano e do banjo, e se embebedando.
Lá fora a noite avançava inexoravelmente. O vento uivava sinistramente pelas ruas ermas, batendo janelas e sussurrando promessas de morte. Os corvos grasnavam com insistência, como o grito pavoroso da banshee. O destino era selado, e a morte galopava através das trevas.
Não muito distante de Conquest City, um homem cruzava as planícies veloz e obstinadamente inclinado sobre a sela de seu garanhão incansável, negro como a noite que o cercava. Vencia a distância impiedosa, sem aparentemente se importar com o frio da noite desértica ou o manto espesso da escuridão que teimava em envolvê-lo. Nada disso o atrapalhava, nada disso o importava. Na verdade, aprendera a gostar da noite.
Enquanto outros viajantes talvez estivessem acampados no deserto àquela hora, acomodados ao redor de uma fogueira, dormindo com um olho aberto e um fechado para se prevenir contra ataques de coiotes, bandidos do deserto e índios, ele apenas cavalgava. Aproveitava a noite sem lua e de poucas estrelas para alcançar logo seu destino. Os perigos da noite no deserto não o amedrontavam.
Na verdade, ultimamente pouca coisa nesse mundo podia assustá-lo, ou mesmo feri-lo. Um Renegado. Era isso o que se tornara. Sem família, sem amigos, sem objetivos na vida. Um espectro vivo, preso dolorosamente ao passado, consumido por dor e ódio com apenas trinta anos de idade. No fundo de seus olhos opacos e cinzentos desenrolava-se uma história impressa em seu ser, registrada para sempre em sua memória devido seu caráter pungente e desesperador. Uma história que o torturava a todo instante, sob a forma de imagens que teimosamente dançavam diante de seus olhos, para que ele jamais esquecesse o que fora tirado dele. Uma história semelhante a um pesadelo, que o transformou no que era agora.
Poucas semanas antes, Sean Ridell era um homem casado e feliz. Aos trinta anos de idade, tinha tudo o que poderia desejar na vida: uma esposa linda, dedicada e virtuosa, um filho pequeno e adorável, que era a cara do pai; herdara, inclusive, os mesmos olhos sérios e cinzentos, uma propriedade muito bem situada, a qual gerava lucros consideráveis. Seu rancho, chamado “Ridell’s Paradise”, ficava localizado no norte de Kansas, próximo a uma cidade chamada Meridian.
Sean se casara havia dois anos e sua esposa acabara de dar à luz ao pequeno James quando decidiram se mudar para o Oeste. Eram de uma cidade não muito distante de Nova Iorque, no Nordeste dos Estados Unidos, e Sean, recebendo uma considerável herança de família decidiu arriscar, investindo em um pedaço de terra no lendário Oeste americano. Dizia-se que ali era a terra da oportunidade, da prosperidade. Uma região bravia, é verdade, repleta de índios ferozes e bandidos impiedosos. Por outro lado, era a mãe dos filhos em ascensão, uma das grandes fontes de riqueza.
Mudaram-se então, Sean sendo apoiado por sua bela esposa Kate, agora a senhora Ridell. Sean nunca em sua vida amara alguém como amava a Kate Ridell. Com certeza namorara antes dela, e naturalmente nutrira sentimentos por outras mulheres, mas Kate era diferente. Ela desde o primeiro minuto se mostrou a mulher por quem Sean esperara todos os anos. A única mulher que amou na vida. Companheira, decidida, carinhosa, sincera. Agradecia todos os dias aos Céus por tê-la ao lado, por ter conseguido conquistar seu coração. E pela benção que era o seu pequeno James, que mal completara um ano.
Mas o destino por vezes nos prega peças um tanto quanto mortais...
Certa vez, quando havia pouco tempo que os Ridell tinham se mudado para o “Ridell’s Paradise”, Sean precisou ir à cidade, vender alguns de seus produtos, comprar suprimentos e ver se conseguia contratar alguns empregados, porque até agora só possuía um. Deu um beijo na esposa, outro no filho e prometeu que voltaria em breve, antes de o sol se por. Faltavam duas horas para o anoitecer quando partiu, deixando em casa sua esposa e seu filho sob os cuidados do único empregado que pudera contratar até aquele momento.
Selou seu cavalo e seguiu a galope, para que fosse possível estar de volta o quanto antes. Na cidade, enquanto entabulava conversa com o dono do armazém para se inteirar dos acontecimentos já que era novo por ali, soube de uma gangue de bandidos do deserto que estava rondando a área e preocupando as autoridades, não apenas as de Meridian, mas de todo o Kansas. Seis elementos perigosíssimos que roubavam gado, assaltavam ranchos, violavam mulheres, matavam famílias inteiras e depois ateavam fogo em todo o local; essa era a marca do temível bando incendiário conhecido como Chamas do Inferno. Ouvindo isso, Sean Ridell teve um horrível pressentimento. Sentindo o pulso acelerar violentamente, perguntou o último paradeiro da corja. Quando o dono do estabelecimento começou a dizer que os patifes tinham sido vistos a poucas milhas a leste da cidade, Ridell soltou um grito sufocado de horror e deixou cair os embrulhos que tinha nas mãos. Chocado, sem dizer palavra, voltou as costas para seu interlocutor e saiu correndo porta afora. Saltou sobre seu cavalo e o esporeou como um louco.
Castigando seu animal, cumpriu em vinte minutos a distância que normalmente demorava quarenta. Respirava rápido, apavorado, o coração martelando no peito. A noite descia seu manto negro e fúnebre sobre a terra quando ele fez uma curva e ao longe avistou sua casa de dois andares no rancho. Lá, o céu estava tingido de laranja e vermelho, mas as cores não tinham nada a ver com o crepúsculo. Os matizes derivavam de um incêndio pavoroso que devorava a casa dos Ridell. Controlando-se para não perder a sanidade nem a consciência, Sean fustigou ainda mais seu cavalo que, a essa altura, tinha o pelo coberto de suor e sangue. O animal nem tinha cessado seu galope quando Sean Ridell saltou da sela.
Em agonia mortal encontrou sua esposa nua, amarrada a uma árvore diante da casa. Extremamente pálida, com a garganta cortada, os olhos vidrados de Kate indicavam que ela acabara de morrer. A nudez, as lacerações e as marcas de mordida em seu corpo, assim como os vestígios de lágrimas no canto dos olhos mostravam que ela desejara ter morrido muito antes que lhe cortassem a garganta. Fora vítima da selvageria daqueles seis animais que atacavam pessoas indefesas em ranchos. Berthan, o empregado, estava caído nos degraus da varanda com um furo de bala na testa e o revólver fumegante nas mãos; prova de que morrera lutando, tentando defender os Ridell. E quanto ao pequeno James? Sean ouviu um débil choro de criança vindo da casa em chamas. Tentou desesperadamente entrar na mesma, mas só conseguiu se queimar e engolir fumaça negra. De joelhos, o rosto banhado em lágrimas, ele ouviu as chamas mastigarem as tábuas da sua casa e viu o incêndio lamber o céu escuro da noite, pintando-o de vermelho e laranja. Urrando enlouquecido e puxando os cabelos, Sean montou seu cavalo quase morto e cavalgou rumo ao deserto escuro, ouvindo atrás de si o crepitar das chamas implacáveis.
Danilo Alex
Queridos amigos e leitores, em breve postarei a terceira parte.
Espero que estejam gostando!
Boa leitura!
Abraços
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