sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Arca de Pandora - Parte V





Entretanto, o destino preparava uma surpresa nada agradável ao capitão Jason Hope. Assim que chegou ao convés, constatou que a tarde já ia avançada; em poucas horas escureceria. Os homens estavam reunidos, esperando a partilha do roubo. Não se mostraram muito amigáveis com o capitão, devido o modo como ele os expulsara de seu camarote algum tempo antes. Mesmo assim, olharam com assombro para a incrível espada que Hope trazia na cintura.
Ao cair da noite, antes que o jantar fosse servido, reunidos no convés sob a claridade prateada do luar e o fulgor vermelho-alaranjado das lamparinas que tinham acabado de ser acesas, os piratas exigiram que os frutos da pilhagem fossem divididos. Os ânimos estavam exaltados, em parte pela bebida, em parte pelo comportamento petulante de seu capitão. Aquele tipo de situação era perigoso para qualquer comandante, a insatisfação dos homens podia ser comparada a uma faísca perto de barris de pólvora. O certo em tais circunstâncias era ser flexível e extremamente cauteloso.
De modo temeroso, Brook olhou para Hope, à espera de algum sinal. O capitão inglês assentiu movimentando a cabeça, e então, aliviado, o imediato iniciou a separação dos tesouros. O clima tenso amainou um pouco, mas o ar ainda estava pesado, carregado de apreensão e desconfiança.
Seguindo o Código da Conduta Pirata, duas partes do saque deveriam ser destinadas ao capitão e ao contramestre, uma e meia ao imediato, ao mestre, o oficial e ao homem de armas, e aos outros oficiais, uma parte e um quarto. O restante era dividido entre a tripulação, devidamente indenizando-se os marujos que tivessem sofrido ferimentos graves durante a batalha, como mutilações ou adquirido algum tipo de impossibilidade física. Como havia duas embarcações, o Ghost Bride e o Red Diamond, a partilha tinha de acontecer favorecendo os oficiais de ambos os navios.
Todos estavam de acordo quanto a isso. Todavia, subitamente William Mathison, capitão do Red Diamond, lembrou:
- Agora, devemos repartir o conteúdo da arca que se encontra no camarote do ex-capitão deste galeão.
Os marujos estavam abanando a cabeça afirmativamente e promovendo um murmúrio coletivo de aprovação, quando Jason Hope saltou para trás como uma fera raivosa, as mãos se fechando vigorosamente sobre o cabo da espada, ainda na bainha. Berrou, fora de si:
- Ninguém vai entrar naquela cabine sem a minha permissão!
Os presentes arregalaram os olhos diante da veemência do capitão do Bride. Sabiam que ele era um homem comedido na maior parte do tempo, e que tinha, vez ou outra, algumas explosões súbitas de ira, mas naquele dia Jason Hope se mostrava terrivelmente descontrolado. Chegaram a temer por sua sanidade. O capitão pirata e amigo de Francis Drake estava arfante naquele momento, o rosto mais vermelho que o habitual, os olhos brilhando inexplicavelmente, mas não um brilho sadio, alegre. Era o brilho que se vê nos olhos febris de um homem desvairado. Seus olhos brilhavam perigosamente, como os de um louco.
Em dúvida, tentando desvendar o que se passava no íntimo de Hope, o capitão Mathison o estudava em silêncio. Visivelmente, seu companheiro não estava bem. Demasiado transtornado, demasiado irritado. Algumas vezes parecia perplexo com algo que lhe corroesse a mente e o íntimo; outras, se mostrava preocupado, cansado, o que seria normal para um velho lobo do mar como ele. O velho Hope nunca fora um homem que ficasse enciumado com algo na hora de dividir o butim, principalmente se o motivo do ciúme fosse uma arca velha e esquisita como aquela.
- É impressão minha, ou está querendo ficar com o que tem naquele baú, capitão Hope?
Com todos os olhares voltados para si, e percebendo a insatisfação crescente no ar, o capitão do Ghost Bride, decidindo enfim adotar um pouco de cautela, ainda que a contragosto abrandou um pouco a voz e resmungou:
- Impressão sua. O fato é que, ainda não terminei a contagem das peças. Assim que eu fizer todos os cálculos e anotações, o tesouro estará à disposição para ser repartido entre todos, exatamente como em todas as vezes anteriores, ao longo dos dez anos que temos pilhado juntos.
Coçando o queixo, o capitão Mathison estreitou os olhos maldosamente e então sibilou, destilando seu veneno:
- Você teve tempo suficiente para fazer contagem de uma arca três vezes maior que aquela hoje, capitão, já que esteve durante quase toda a tarde enfiado naquele camarote.
Os marujos se voltaram todos para Hope. Ao mesmo tempo em que se achavam indignados, estavam interessados naquela discussão que prometia render grandes acontecimentos. A atenção dos piratas ia de um capitão para outro. Hope estava furioso, vermelho como uma panela de pressão prestes a explodir:
- Quanta insolência, Bill! Definitivamente não estou gostando do seu tom. O que está insinuando? Acaso está pondo em dúvida minha honra, minha autoridade perante a tripulação? Devo avisá-lo que muitos homens já morreram por muito menos, abatidos pelo fio da minha espada.
Diante dessa ameaça explícita, assim que as palavras de Hope cortaram o ar, foram atingir o rosto lívido de Mathison como uma bofetada.  Um silêncio sepulcral e repleto de expectativa seguiu-se ao desafio lançado pelo capitão Jason. Uma onda de ansiedade parecia varrer o convés lustroso do Pandora, onde estavam reunidos todos os homens sob o comando de Hope, que eram em torno de cento e cinquenta piratas sanguinários, mercenários e inescrupulosos.
O espectro da Morte, que pairava sobre três os navios ancorados naquele momento, sacudiu suas mãos esqueléticas e descarnadas para jogar os dados do destino. A sorte estava lançada, e os humanos jaziam às portas de um grande motim. Dependendo das próximas palavras de William Mathison, uma nova matança teria início. Olhando nos olhos de Hope, William Mathison, o capitão da avariada escuna pirata chamada Red Diamond disse com uma frieza assustadora, como se não estivesse se erguendo contra um irmão de armas e compatriota:
- Meus companheiros, todos vocês são testemunhas de que este homem está claramente tentando nos roubar, privar de nós o direito de usufruir do produto de nosso saque. Agindo desse modo, ele infringiu todas as abençoadas regras do nosso justo Código de Conduta da Pirataria e agora, desesperado, ele me insulta publicamente, me desafiando. Eu, como capitão de uma das embarcações da frota pirata do virtuoso Francis Drake, digo que Jason Hope está tentando prejudicar não apenas a nós, mas também Francis Drake, e nós sabemos que ir contra o almirante Drake, é ir contra a própria Coroa inglesa, é também ir contra nosso próprio povo. Ao tentar lesar a Rainha, o capitão Hope se torna nosso inimigo. Se todos concordarem, declaro este homem um traidor de sua própria terra, de sua própria gente. Ele é culpado, réu merecedor da morte, assim como todos aqueles que o apoiarem.
- Sim! – bradou alguém na multidão exasperada – Morte ao desertor!
- Vamos enforcá-lo, deixá-lo pendurado no mastro principal! – gritou outro pirata, em outro ponto do convés.
- Melhor ainda – berrou outro rebelde – Vamos fazer um corte nele, para que sangre e caminhe sobre a prancha. O maldito traidor merece ser alimento de tubarões!
- Primeiro – comandou Mathison – Vamos buscar aquela arca, para repartir igualmente o que nela houver. Depois resolveremos o que fazer com Hope.
Com um gesto súbito e corajoso, a face desfigurada pelo ódio, o capitão Jason Hope puxou a espada, e ela produziu um som rascante ao sair velozmente da bainha. De arma em punho, o capitão do brigue pirata inglês vociferou:
- Aquele que tentar, morrerá. Somente entrarão naquele camarote passando sobre meu cadáver!
- Se for preciso, é o que faremos. – retrucou William Mathison de modo determinado, e em seguida clamou – Ao ataque, rapazes! Motim contra esse capitão traidor e injusto!
Com um rugido dantesco, grande parte da tripulação sacou suas armas e se lançou ao combate, uma onda selvagem e confusa de braços que brandiam suas lâminas de maneira rebelde contra o comandante a quem tinham servido durante tantos anos. Todavia, antes que o capitão Jason Hope fosse feito em pedaços pelo grupo de piratas amotinados, eis que da multidão se ergueram os marujos que se posicionaram para lutar ao seu lado.
Os homens que decidiram lutar a favor de Hope não eram tantos quanto os rebelados, mas eram os mais experientes e mais antigos, e participavam corajosamente do confronto, enfrentando às vezes dois ou três adversários ao mesmo tempo. Os piratas favoráveis ao capitão acusado de deserção, embora em menor número, conseguiram bloquear o ataque em massa que trituraria Jason Hope. A ferocidade de seu contra-ataque fez o mar de revoltosos recuar o suficiente para que a batalha se desenvolvesse com maior desenvoltura.
- Matem cada filho do Cão que tentar chegar àquela cabine. – berrava Hope vermelho, as veias de seu pescoço estufadas, enquanto ele próprio voava para cima de Mathison – Defendam aquela arca com suas vidas, e serão bem recompensados! Juro por minha alma!
E o derramamento de sangue recomeçou. Se há algo pior do que um ataque pirata a uma embarcação que vai ser pilhada, é um motim, uma luta sangrenta entre os próprios bandidos do mar. Nada pode ser tão ruim para um capitão corsário, do que ver seus homens insurgirem contra suas ordens, questionando sua autoridade ou competência para ocupar a posição de comandante. Sem falar que a batalha era horrenda; lobos devorando lobos.
Os homens que lutavam por Hope o conheciam havia tempo suficiente para saber que todas aquelas acusações de tentativa de roubo e traição feitas contra ele eram inteiramente descabidas. Muitas e muitas vezes o capitão Jason Hope tivera em suas mãos imensos tesouros e jamais tentara passar sua tripulação para trás. Não fazia sentido algum que ele tentasse algo assim justamente agora, ainda que fosse verdadeiro o boato que circulava entre os marujos, segundo o qual o capitão Hope tinha perdido o juízo.
Por isso, eles lutavam bravamente, acatando as ordens de seu estimado capitão. Defendendo o camarote que continha a malfadada arca. Um oceano de alfanjes, machados, espadas, punhais e adagas se chocava estridentemente na confusão do confronto. Às vezes algum tiro de pistola era disparado à queima-roupa, traiçoeiramente; era assim que os piratas costumavam agir quando estavam perdendo.
Enquanto o clamor das armas e o bramido dos homens se elevavam do convés para a noite que tinha cheiro de maresia, Jason Hope e William Mathison lutavam ferozmente, suas espadas soltando chispas ao se chocar enquanto vibravam nas mãos hábeis de seus donos, a lua lançando reflexos prateados nas lâminas mortíferas. Uma batalha que exigia o máximo de esforço, concentração e destreza dos dois espadachins, porque apenas um iria sair vivo dela.
 Hope estocou reto, com firmeza assassina, e sua espada mordiscou o ombro de Mathison que, soltando uma praga, girou sua própria arma e aparou parcialmente o golpe, afastando de si a lâmina inimiga manchada com seu sangue. Trocando rapidamente a espada de mãos, Mathison desferiu um golpe diagonal, o que obrigou Hope a recuar dois passos velozmente, girando o corpo, num movimento magistral de esquiva. Mesmo assim, escapou da morte por muito pouco; um grande risco vermelho surgiu em suas costas encharcadas de suor. E a luta monstruosa prosseguia.
Aproximadamente cem homens, dos quais uma parte pertencia à tripulação do Ghost Bride, e a outra, à tripulação do Red Diamond, tinham se rebelado, e agora lutavam ao lado de William Mathison. Enquanto isso, ao lado de Hope, apenas cinquenta piratas defendiam seu capitão caído em desgraça e sua arca infernal, que acabaria sendo sua ruína se tudo continuasse como estava. A derrota de Hope e seus aliados parecia certa. Seriam impiedosamente mortos, e a sombria urna, inevitavelmente saqueada. Todavia, surgiu um imprevisto, que acabou sendo decisivo para o capitão Jason Hope.
No furor da batalha entre os piratas que eram, em sua maioria, ingleses, surgiu um homem a quem todos odiavam em comum. Um espanhol. Era um sujeito de estatura mediana, de pele morena, mas tomada por uma palidez mórbida, cabelos longos que davam em seu ombro, e usava cavanhaque. Seus cabelos longos, pretos e anelados estavam envoltos por uma faixa de seda vermelho-sangue, numa espécie de bandana exótica. Usava uma camisa branca de seda parcialmente desabotoada, expondo o tórax moreno sobre o qual pendiam alguns medalhões dourados. Sobre a camisa usava um colete preto. Trazia enrolada na cintura uma faixa de seda dourada, que era como uma espécie de cinto. Usava uma calça azul marinho espalhafatosa, que culminava em botas pretas de cano longo. Seus dedos eram repletos de anéis. Aparentava ter uns quarenta anos.
Um cigano! Que raios um cigano fazia a bordo do Pandora, o galeão do qual, os piratas tinham certeza, haviam dizimado toda a população? Não tinha sobrado nenhum hispânico para contar a história, pelo menos teoricamente. Mais surpreendente do que a aparição inexplicável daquele cigano no convés onde acontecia o motim, foi o que ele fez em seguida.
Seus olhos não possuíam brilho, como os de um homem morto. Subitamente, surgindo em sua mão, a lâmina de um punhal reluziu intensamente ao luar fantasmagórico. E o cigano se moveu, tão rápido quanto uma flecha.
Correndo velozmente pelo convés entulhado de piratas resfolegantes e suados, o espanhol começou a degolá-los; seu punhal dilacerava a carne humana com uma facilidade medonha. Uma cena inimaginável.
O mais surpreendente de tudo era que o tal cigano tinha como alvo apenas os ingleses que lutavam ao lado do covarde capitão Mathison. Matava-os de modo implacável, sorrindo como um lunático cada vez que o sangue era aspergido em seu rosto assim que ele rasgava uma garganta. Quem o visse, diria que aquele bravo guerreiro latino era invencível.
Com sua intervenção fantástica, a balança evidentemente logo se equilibrou, e a vitória, antes improvável, agora pendia para o lado de Hope e seus homens. O interessante é que, tudo aconteceu com tal rapidez que, entretidos na batalha, pouquíssimos piratas se deram conta do que se passava. Raros foram os corsários que tiveram tempo de visualizar, ainda que de relance, aquele mensageiro da morte que se movia como um fantasma entre eles, ceifando suas vidas e fazendo-os se afogar em seu sangue.
Hope mesmo apenas saberia dessa história mais tarde, pela boca de uns poucos homens de confiança os quais tiveram a chance, mais infeliz do que feliz, de ver o sombrio cigano em ação.
Aterrorizado por aquela ventania fantasma que exterminava sua tripulação de amotinados, William Mathison arregalou os olhos e começou a recuar sob os ataques inimigos, sendo imitado por seus homens. Em pouco tempo gritava, gesticulando nervosamente para seus subordinados:
- Vamos embora, esqueçam a arca e o traidor! O Mal habita essa embarcação, e logo todos os seus tripulantes serão vitimados. Já temos nosso tesouro, fujamos daqui, antes que as trevas nos engulam!
Imediatamente os revoltosos, embora em número maior, abandonaram o Pandora, fugindo para o Ghost Bride e o Red Diamond. Sob intensa artilharia do galeão espanhol, os piratas amotinados recolheram seus ganchos e ergueram âncoras. Em seguida, içaram velas e procuraram se afastar daquele estranho navio hispânico o qual, tinham essa exata impressão, era protegido pelo próprio Diabo.
Embora os canhões do Pandora ruidosamente vomitassem chumbo sem cessar contra os navios dos piratas em fuga, e houvessem conseguido infligir grandes danos no inimigo, logo a brisa impetuosa noturna os impeliu para longe, fora de alcance para a artilharia do gigante barco espanhol.
Tão logo as velas do Bride e do Diamond transformaram-se em pontos brancos na escuridão, o silêncio opressivo envolveu o Pandora como uma mortalha espessa e pavorosa. O silêncio sepulcral era rompido às vezes apenas pelo zunir discreto do vento nos cordames, o sombrio rangido da madeira quando o navio balançava sobre a maré, ou pelo sussurro das ondas que vinham quebrar-se de encontro ao costado do navio.
Embora apenas estivessem vivos graças à intervenção do misterioso cigano, os piratas que ficaram a bordo do Pandora benziam-se e murmuravam entre si, amedrontados, como se o som de suas vozes assustadas pudesse atrair os espíritos malignos do mar, ou despertar os mortos de seu descanso eterno. Olhavam ao redor preocupadamente, como se temessem que o espectral cigano os atacasse, mas ele tinha sumido como se nunca houvesse existido. Resolveram então chamar Hope e lhe contar toda a história, que foi ouvida com visível desdém e ceticismo.
- Abandonem essas supertições tolas, marujos! São homens ou um bando de ratos covardes? Isso que viram com certeza foi uma alucinação gerada pelo calor da batalha. Já ouvi casos assim antes, no auge do desespero, vemos coisas inexplicáveis, sobretudo porque lutávamos pela nossa sobrevivência. – admoestou o capitão pirata inglês Jason Hope.
- Não é superstição, comandante! – protestou John Barday, o rapaz das armas – Vimos com nossos próprios olhos!
- É verdade! – ajuntou Paul Danton, o contramestre – O cigano parecia gente, mas não era! Não podia ser humano, não com aquela velocidade. Matava homens com a tranquilidade de quem acende um cachimbo assim que acaba de comer.
- Prestem atenção no que estão dizendo, homens! – resmungou Hope, fitando seus marinheiros de maneira carrancuda – Um cigano? Um espanhol entre nós? E, ainda por cima, combatendo ao nosso lado? Qual sentido isso faz? Reparem o quão tresloucadas são suas palavras!
Ao terminar de falar isso, Hope lembrou-se do cadáver na arca e constatou que, curiosamente, o homem estava realmente vestido como um cigano. Sem deixar transparecer o que pensava, ordenou que se fizesse uma rigorosa busca em todo navio, e que se encontrassem algum espanhol escondido, deveriam trazê-lo à sua presença. E assim foi feito.
Não sendo encontrado nenhum sinal do temido homem, Hope ordenou que os piratas mortos no combate fossem jogados ao mar. Depois, chamou de lado dois homens em quem confiava plenamente e disse:
- Vão ao meu camarote, dentro da arca encontrarão um morto. Tragam-no para cá, a fim de que o atiremos também ao oceano. Não banquem os espertos: sei exatamente quantas peças de valor existem naquele baú. Se faltar alguma quando eu for conferir, suas cabeças rolarão para longe do pescoço. Assim que tiverem arremessado o defunto sobre a amurada, voltem à cabine. Vi algumas garrafas de vinho tinto perto da cama do capitão. Vinho espanhol é o melhor que existe! Tragam as garrafas aqui, para que as bebamos, em comemoração à nossa vitória sobre os rebeldes.
Assim que os homens se afastaram para cumprir suas ordens, Hope fez sinal para outro marujo e mandou que fosse chamar Thomas Brook, o imediato, pois queria falar com ele.
Enquanto os corpos eram sistematicamente jogados ao mar, Hope aguardava. Primeiro recebeu a notícia de que Brook não havia sido encontrado em lugar algum.
- Maldito seja! Terá aquele imediato se escondido durante a batalha? Se assim tiver agido, é merecedor de grande castigo. Se eu decidir poupá-lo da morte, vou amarrá-lo ao mastro principal e chicoteá-lo até que meus braços fiquem dormentes de exaustão.
Minutos depois, os marujos voltavam de sua cabine carregando os vinhos. Hope os olhou, surpreso pela rapidez com que haviam cumprido o que pedira. Indagou:
- E então? Livraram-se do homem morto que jazia na arca?
Os dois piratas trocaram um olhar significativo. Em seguida, de modo receoso, um deles começou:
- Com todo o respeito à sua honrosa pessoa, estimado capitão, viemos dizer que não havia cadáver nenhum lá.
Hope estremeceu como se tivesse recebido um tapa no rosto.
- Não?! Mas, como é possível? Ora essa, será que estive sonhando? Havia um morto naquela caixa, inclusive esta minha nova espada estava fincada no peito dele!
Os piratas se entreolharam mais uma vez, sem, no entanto, se atrever a dizer nada. Foi o mestre, Jim Baker, quem quebrou o silêncio, gemendo:
- Estão vendo? Foi o demônio! Ele está realmente a bordo, e levou consigo o morto e o vivo para seu reino infernal!
Quando os homens começaram a falar todos ao mesmo tempo, como um bando de galinhas que cacarejassem assustadas, Hope se impôs com um grito enérgico:
- Basta!!!! Fechem a matraca, que diabos! Parecem um bando de velhas barulhentas! Já disse que não existe nada dessa baboseira, e ponto final. O próximo que falar a respeito, há de ajustar contas comigo. Ei você, Baker, honre essas calças que está usando e faça algo de útil: vá dizer ao cozinheiro que sirva logo o jantar. Matar me deixou faminto.

Continua...

Danilo Alex da Silva

"Um a um, sob a lua rodeada de estrelas
Rápido demais para gemer ou suspirar
Cada um virou seu rosto atormentado,
E me amaldiçoou com seu olhar
Quatro vezes cinquenta homens
(e eu não ouvi suspiro ou gemido),
Pesadamente, um vulto sem vida,
Eles caíram um por um."

(Rime of the ancient Mariner – Iron Maiden)

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