quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Arca de Pandora - Parte VI



E foi desse modo que Jason Hope e os marujos que lhe eram fiéis foram salvos do inimigo naquela noite memorável; salvos, segundo os marujos, por um homem gerado no seio de um povo que odiava os ingleses, e que pelos ingleses era irremediavelmente odiado. Um povo contra o qual os britânicos estavam em guerra desde sempre.
Jason Hope, tirando seu elegante chapéu de três pontas, passou os dedos pelos cabelos suados enquanto suspirava longamente, extremamente confuso e desconfortável com a situação. Que noite estranha era aquela? Amigos se tornando inimigos, e um inimigo se tornando aliado para, em seguida, diluir-se no ar como névoa, tal como se jamais houvesse existido. Seu imediato também sumira sem deixar vestígios, e o que se podia concluir era que o mesmo havia abandonado o barco durante a confusão da batalha.
A questão era que Thomas Brook sempre fora um homem leal a seu capitão e nunca, nos sete anos em que pilharam juntos, fugira de um combate, por mais violenta ou perigosa que fosse a luta. Seus homens só poderiam estar loucos ou, mais provavelmente, bêbados a ponto mal se suster de pé. Certamente eles não tinham revistado o navio tão minuciosamente quanto o comandante ordenara, o imediato deveria necessariamente estar em algum lugar do Pandora. Não podia simplesmente haver desaparecido.
 Isso era impossível, tanto quanto ser ajudado por um cigano que, sendo adversário declarado dos súditos da Rainha Elizabeth I, os tivesse ajudado e esvanecido sem deixar rastros, como se tragado pelas profundezas insondáveis marítimas. E o cadáver da arca que também se fora? Que se podia dizer disso? Quem se interessaria em roubar um homem morto de um baú cheio de tesouros incalculáveis, muito mais atrativos que um corpo prestes a entrar em decomposição?
 Ora, que se danasse tudo, que se danassem todos! Aquelas coisas não faziam o menor sentido, e serviam apenas para dar nó no cérebro do nobre capitão Hope. Mandando tudo às favas, ele simplesmente girou nos calcanhares e seguiu seus homens, que estavam indo jantar. Felizmente para os piratas a bordo do majestoso, porém misterioso galeão espanhol, naquela noite os acontecimentos plenos de estranheza se encerraram naquela ocasião.
Contudo, no dia seguinte bem cedo, assim que o sol despontou no horizonte e lançou seus raios dourados na água fria do oceano, um grito de alerta foi dado pelo vigia. Os marujos reuniram-se no convés e, diante da cena fantástica, o pânico começou a alastrar-se. Não vendo alternativa, tiveram de bater à porta do capitão Hope. Ele surgiu no umbral com um aspecto amedrontador, como uma aparição: cabelos revoltos, olhos inchados de sono, rosto amassado. Olhou para o marujo como um cão de caça raivoso, prestes a saltar sobre o gamo que está perseguindo.
- Bo... bom di... bom dia, senhor capitão! – gaguejou, numa saudação temerosa o Carrasco, um dos piratas mais sanguinários que Hope tinha às suas ordens.
- Que é que pode haver de bom a essa hora da manhã, seu infeliz? – guinchou Hope mal-humorado – Infernos! Nem dormir se pode mais nessa espelunca! Que diabo você quer aqui, marujo? Vamos, desembuche logo, antes que eu amarre uma bala de canhão em seus pés e o atire ao mar, como punição por ter interrompido meu sono sem um motivo justo.
- Mil desculpas, meu capitão! Apenas vim porque é algo urgente. Encontraram o imediato, Thomas Brook.
- Verdade? E onde estava enfiado aquele cão?
- Aí que está a seriedade da coisa. O senhor não acreditaria se eu dissesse. Precisa me acompanhar, e ver com seus próprios olhos.
Quando o pirata, que era alto e forte como um gorila, se virou para afastar-se, Hope fechou a porta arrombada de seu camarote e seguiu o subordinado pelo suntuoso corredor.
Minutos mais tarde, já de fora de seu camarote e do castelo de popa, rumando para a parte dianteira do barco, Jason Hope acabava de subir a escada que levava à vante e estava observando a cena bizarra sob a luz tímida do sol que lhe feria os olhos, enquanto proferia uma série de impropérios a quem quisesse ouvir, ofendendo principalmente os corsários mais assustados, que ameaçavam abandonar o navio e fugir a nado.
 A irreal situação era a seguinte: Havia um corpo humano atado firmemente à figura de proa de modo grotesco. Um homem morto abraçado à imagem exata, feita em madeira, da mulher mitológica chamada Pandora. Aquele era o cadáver de Thomas Brook.

O imediato estava muito pálido, branco como cera, da cor do próprio pano que compunha as velas daquele temível galeão. Tinha-se a impressão que todo o sangue de seu corpo desaparecera. Estava amarrado à carranca com uma das próprias cordas de bordo. Fora transformado em um penduricalho horrendo por alguém mórbido a ponto de achar aquilo engraçado. Hope ordenou aos marujos que tirassem Brook de lá e o trouxessem para diante de si. 
O pobre imediato Thomas Brook estava estirado como um trapo encharcado aos pés do homem que fora seu capitão. Seu corpo, branco como leite, parecia realmente desprovido de qualquer gota de sangue. Duas manchas arroxeadas foram encontradas em seu pescoço, e no centro das manchas havia dois pequenos furos, distando pouco um do outro, como se indicassem a medida de uma boca de animal. Algum bicho provavelmente o mordera ali, exatamente sobre onde passava a veia.
Jason Hope, ainda que seu rosto não transparecesse, estava profundamente intrigado. Que tipo de marca era aquela, similar a uma mordida? Que animal poderia ter causado aquilo? O mais estranho era o modo como Brook fora atado à figura de proa. Serviço que com certeza fora executado por mãos humanas, já que Hope vira nós caprichados na corda. Além do mais, somente um humano seria capaz de prender o imediato na proa do navio daquela forma, principalmente sem que alguém percebesse o que se passava.
Hope reuniu seus homens temerosos e exigiu silêncio. Em seguida, quis saber quem estivera de vigia na noite anterior. O marujo se apresentou e informou que não vira nem ouvira nada durante toda a noite. Foi amarrado ao mastro e chicoteado por isso, acusado pelo capitão por “falta de atenção” ao que se passava no barco; era sua responsabilidade notar qualquer acontecimento fora do normal, pois disso dependia a segurança de toda a tripulação. Assim que castigou o vigia diante de todos, Hope deixou o homem meio desmaiado ainda amarrado ali e deu a ordem para que os piratas preparassem o corpo de Brook a fim de que se realizasse o sepultamento. Envolveram o imediato em um pedaço de lona velha, costuraram a funesta mortalha improvisada, amarraram três balas de canhão nos pés do defunto e o jogaram ao mar. O oceano era tudo para um pirata: seu meio de vida, sua condução e, sobretudo, sua sepultura.
Quebrando o ressentido silêncio de sua reduzida e enlutada tripulação, Jason Hope bradou:
- Perdemos um grande marujo e bom amigo hoje, mas temos de seguir em frente. Vou descobrir o que matou Thomas Brook, juro isso a vocês, por minha honra! Todavia, precisamos seguir em frente! A Coroa inglesa conta conosco, nosso comandante Francis Drake nos aguarda no porto mais próximo para que continuemos pilhando os malditos espanhóis! Temos de voltar, para explicar ao almirante Drake como fomos covardemente traídos pela nossa gente. Caçaremos então os amotinados pelos sete mares e os mataremos um a um, como os cães danados que são!
Notando que seu discurso pouco a pouco começava a surtir efeito na tripulação entristecida, Hope nomeou um novo imediato e berrou aos homens, tentando injetar-lhes mais uma dose de ânimo:
- Vamos, bravos filhos da Inglaterra! Muito ouro ainda há para ser pilhado, muitos vermes hispânicos estão aí para ser combatidos, muita água ainda deve rolar sob nosso poderoso galeão, que agora será a mais majestosa embarcação pirata a cruzar esses mares infinitos! Vamos homens, acertem a rota para a África! Erguer âncoras! Desfraldar velas!
O Pandora era um galeão espanhol imenso e, como tal, exigia uma tripulação numerosa, cerca de duzentos marinheiros, para que se cumprissem satisfatoriamente todas as tarefas de bordo. No entanto, aqueles cinquenta indivíduos que permaneceram no barco, fiéis a Hope, eram mesmo homens experientes, que amavam e entendiam o mar como o violonista cujos dedos percorrem com familiaridade o braço de seu instrumento, ou com a cumplicidade que liga o homem à sua amada, de modo que, com único olhar, sabe o que se passa em seu íntimo. Para aqueles velhos lobos do mar, não havia outro tipo de vida; o tempo em terra era como cortar as asas de um pássaro, era como condená-los a permanecer acorrentados a uma prisão, um local triste e indesejado.
Seus pulmões funcionavam melhor quando o ar com que eram inflados possuía cheiro de oceano. E então, os marujos a bordo do Pandora, conquanto em número imensamente inferior ao necessário, lançaram-se ao trabalho com afinco impressionante, uma determinação que, diga-se de passagem, causava a impressão de que aqueles homens moveriam uma montanha se assim o desejassem.
 Enquanto um grupo se esforçava na roleta do cabrestante, bufando para girá-lo pesadamente e erguer as duas grandes âncoras que mantinham o imenso barco estacado no meio do oceano, outros grupos acercavam-se dos enormes mastros, manuseando-os para posicionar o descomunal navio a favor do vento. A pequena, mas admirável tripulação pirata enfrentava o trabalho com a mesma bravura com que encarava o inimigo durante as batalhas.
 Os corsários movimentavam-se a bordo de modo rápido e preciso. Entoavam velhas canções aprendidas com antigos navegantes que já haviam partido dessa vida, buscados por Caronte e levados para as águas eternais. Cantavam durante o trabalho, para que o ritmo do labor de seus braços fosse sincronizado com o ritmo da canção. Garrafas de rum e vinho espanhol passavam de mão em mão, e os marujos tomavam diretamente do gargalo, antes de limpar a boca com as mãos e passar a garrafa ao companheiro mais próximo. Gesto pouco higiênico, é verdade; todavia, de algum modo difícil de explicar, era um meio de manter a tripulação unida, o que, naturalmente, faria com que lidassem melhor com as situações difíceis que com certeza estavam por vir. Na vida de marujo havia pouca facilidade, e isso era, justamente, um dos maiores atrativos para aqueles homens. Uma vida incerta, sim, porém, com suas compensações.
Mantido o curso da embarcação, rumaram para a África, onde Hope desejava que Francis Drake estivesse aguardando. Consideravelmente superados a tristeza e o pavor iniciais causados pelo que ocorrera ao pobre Brook, a viagem transcorria sem maiores novidades. Essa relativa paz durou alguns dias, até que dessem por falta de Paul Danton, o contramestre.
Entre intrigados e temerosos, os corsários reviraram o galeão em busca do homem desaparecido sem, no entanto, obter sucesso. O pirata sumira sem deixar vestígios, da mesma maneira que acontecera com Thomas Brook. E o receio imperava nos corações impiedosos daqueles homens bárbaros, os quais não temiam nenhum oponente de carne e osso, mas enlouqueciam de medo ante a perspectiva de se confrontar com algum inimigo sobrenatural, aqueles seres que habitavam as lendas e a imaginação dos navegantes ao redor de todo o mundo.
Tentando tranquilizar seus homens, Jason Hope já quase não conseguia mais disfarçar sua própria insegurança, seus temores mais ocultos. Não tinha mais tanta certeza do que se tratava, do que ocorria a bordo daquele barco bizarro. Tivera pesadelos horríveis com um cigano sinistro saindo da arca, olhando para ele com olhos de louco e gargalhando de um jeito que só o próprio Diabo seria capaz. Acordava suando no meio da noite, respirando rápido e olhando amedrontado para o sombrio baú ao lado da cama. Certa feita, jurava ter visto, na escuridão de seu camarote, uma mão cadavérica masculina, branca como cera, sendo puxada para dentro da funesta urna antes que a tampa se fechasse sem ruído.
 Fazendo uso do que restava de sua presença de espírito, friamente, num gesto rápido e decidido, Hope ergueu-se da cama e alcançou sua pistola. Cautelosa e vagarosamente levantou a pesada tampa, o cano da arma apontado para o seu interior... Então, num último e veloz gesto, empurrou fortemente a tampa e descobriu a arca maldita. Mas não havia nada ali, além dos incontáveis tesouros oriundos da colônia espanhola, onde tinham sido angariados antes da pilhagem inglesa. Deitando-se novamente, Hope expirou o ar com força e relaxou o corpo, sentindo o alívio inundar-lhe a alma. Jamais em sua vida acreditara, por um segundo que fosse, ter de cogitar sobre a existência de fantasmas.
Talvez seus marujos estivessem certos. Talvez houvesse uma maldição naquele barco esquisito. Talvez o piloto fosse o anjo negro, e o mesmo precisasse daquela tripulação para manobrar o barco, levando almas perdidas para as profundezas ardentes infernais. Quanta tolice! Drake com certeza riria na cara de Hope ao saber o que ele pensava naquele momento. Mas Drake não estava ali para aconselhá-lo, lançar alguma luz sobre aquele caso medonho. Por isso, Jason bebia durante quase todo o tempo. Os piratas ficavam ainda mais amedrontados e perdidos ao ver seu capitão imerso em álcool sempre que surgia no convés, cambaleante.
Por ordem de Hope, a arca maldita foi removida da cabine e levada ao porão. Foram precisos quatro marujos fortes para transportar a malfadada urna, e eles, com visível expressão de desagrado, apenas aceitaram cumprir a tarefa durante o dia, que era quando se sentiam mais seguros.
Encontraram Danton pela manhã do sexto dia de viagem. Estava milagrosamente vivo, meio inconsciente, caído atrás de alguma caixas de suprimento no porão escuro, dividindo espaço com a arca maldita. O contramestre parecia muito doente; tinha a pele pálida e fria, os olhos fundos e seu corpo tinha sido tomado por uma languidez tenebrosa. Parecia um homem eternamente sonolento, não disposto a ter seu descanso interrompido.
Viram então as marcas em seu pescoço e em seu pulso, os mesmos sinais apresentados por Brook, como se um animal tivesse mordido o pirata e sugado grande parte de seu sangue. Para dar total vazão ao desespero acumulado no coração daqueles corsários, ao ser chacoalhado pelos amigos e indagado sobre quem ou o que lhe fizera aquilo, Paul Danton disse numa voz pastosa:
- O espanhol... o cigano...
Ouvindo o relato afobado de seus homens, que falavam aflitamente atropelando as palavras, Hope tentou ser o mais firme que pode:
- Qual cigano o que! Não percebem que Danton está delirando? Está muito doente, é verdade. Entretanto, não foi sugado por demônio em forma humana nenhum! Estamos lidando com um caso grave de escorbuto, já vi isso antes muitas vezes. Pode ser uma doença fatal, precisamos deixá-lo em repouso e alimentá-lo do melhor modo que pudermos até chegar à terra firme e levar o pobre diabo para ver um doutor.
- Escorbuto? – indagou alguém que não parecia absolutamente convencido – Também já vi casos dessa doença, porém, observo algumas diferenças nos sintomas. Danton tem marcas no corpo, parece que algum bicho o mordeu...
Lançando um olhar gélido ao marujo que dissera isso, Hope o fez calar-se. Em seguida, comandou:
- Vamos, levem o doente para um camarote mais confortável; e que lhes sejam servidos carne fresca e ovos, bem como vegetais e frutas frescas no mínimo três vezes ao dia. Ninguém mais vai morrer a bordo deste navio, não permitirei!
Trataram Danton do melhor modo que puderam, mas com o passar do tempo ele continuou murmurando, em seu estado febril, que o cigano o estava matando lentamente. Quando o contramestre sucumbiu e morreu três dias depois, já havia mais três casos semelhantes ao dele a bordo do navio. A situação fugia ao controle do capitão. Mas ainda estava longe dos problemas acabarem.
Uma calmaria malévola envolveu o Pandora na mesma noite em que Danton foi enrolado em um velho cobertor e lançado ao mar, recebendo um sepultamento de marujo. O vento, súbita e inexplicavelmente parou de soprar. O silêncio pairou pesado. As ondas desapareceram e o mar estagnou-se, estranha e perigosamente calmo. Os piratas preferiam mil vezes que o oceano estivesse furioso, rugindo, pois sabiam como enfrentá-lo. Detestavam aquela falsa tranquilidade, sabiam que ela era prenúncio de algo ruim.
As velas do galeão murcharam e ele ficou parado no meio das águas apáticas, tão imóvel como se os seus tripulantes houvessem baixado âncoras.  O vento era essencial aos navegantes, sem ele, não chegariam a lugar algum. Permanecer no meio do oceano daquela maneira era certeza de morte para toda a tripulação. O ar quente e com cheiro de sal entrava por suas narinas, tornando penosa a respiração dos marujos. O calor cobria seus corpos de suor.
 A ausência de sons enlouquecia os piratas, afogando-os em um desespero silencioso. Ansiavam pelo estalido da madeira, o balanço do barco e o vento zunindo no cordame. A todo instante fitavam as velas mirradas, cheios de uma esperança cega que camuflava a angústia. Com uma prece silenciosa ao erguer os olhos, os piratas ingleses desejavam ardentemente que as velas se enfunassem repentina e milagrosamente, arrancando-os daquela estagnação desesperadora. Mas não eram atendidos.
Tinham sido maus meninos, matado muitas pessoas inocentes. Talvez por isso Deus não estivesse contente com eles. Talvez morrer ali, condenados a perecer isolados no meio da água e do silêncio fosse seu castigo vindo direto dos Céus, pois, tão mortífera quanto a tempestade, era a calmaria.
O tempo passava lentamente. Apenas o sol e a lua se moviam naquele cenário de morte, trocando de lugar no céu sem nuvens. O ar parado era sufocante. Gradativamente os marujos iam caindo doentes, atacados pela mesma coisa que vitimara Danton, a mesma coisa a qual Hope insistira, era escorbuto, embora nem ele mesmo acreditasse mais nisso.
Naquela ocasião, quando anoiteceu, a lua cheia e macabra elevou-se imensa no céu escuro e quase sem estrelas. Era um fantasma pálido e agourento flutuando acima da mastreação do galeão, a qual era inútil sem o vento. A lua pálida lançava seu reflexo frio e prateado na água totalmente parada. Ainda que fosse noite, o ar era quente, asfixiante, como se saído do inferno. A cortina de silêncio quase palpável, carregado de promessas de morte e mensagens de insanidade foi dilacerada abruptamente pelo grito do vigia:
- Vela à vista!
Os marujos duvidaram de seus ouvidos. O vigia só podia ter enlouquecido. Não havia vento para inflar velas, como poderia haver um navio se aproximando? Os piratas, pálidos, suados e fracos, cambalearam para a amurada e viram. Realmente viram um imenso navio que navegava em sua direção. Tinha as velas enfunadas e sua velocidade era tal que poderia se dizer que um vento poderoso, soprando na popa descomunal do barco, o impelia com ferocidade. Mas aquela cena era improvável.
O ar estava parado ainda ao redor do Pandora. Os ingleses contemplaram a água e nada nela havia mudado; o oceano continuava escuro e insondável, liso como vidro polido que rebrilhasse ao luar. Os olhos dos homens, incrédulos, iam das velas murchas de seu navio para a mastreação imponente do barco que se aproximava, com as velas engordadas pelo vento sobrenatural. Depois, miravam o céu e o mar morto, quieto, silencioso como um túmulo gigantesco que estivesse à sua espera.
O medo era tamanho que paralisara os tripulantes do Pandora, os quais fitavam o barco chegando com a certeza de que estavam todos loucos. Então, quando o navio estava perto o bastante, um gemido escapou dos lábios ressecados de Hope, o pânico revirando seu ser quando reconheceu o outro barco.
- Não... não pode ser... – sussurrou o capitão de olhos arregalados e segurou-se na amurada para não cair vencido pelo cansaço, pela fraqueza e pela loucura.

Continua...

Danilo Alex da Silva

“E a maldição prossegue no mar
E a maldição prossegue para eles e para mim
Dia após dia, dia após dia,
Estamos parados, sem vento e sem movimento
Tão parados como um navio pintado em um oceano pintado
Água, água para todo lado e toda a comida se foi
Água, água por todo lado, e nem uma gota para beber”

(Rime of the Ancient Mariner – Iron Maiden)

Um comentário:

  1. Agora fiquei preocupada... Tá bom, na verdade é medo mesmo... =S mas está muiiiito bom. Parábens!!!

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