E
foi desse modo que Jason Hope e os marujos que lhe eram fiéis foram salvos do
inimigo naquela noite memorável; salvos, segundo os marujos, por um homem
gerado no seio de um povo que odiava os ingleses, e que pelos ingleses era
irremediavelmente odiado. Um povo contra o qual os britânicos estavam em guerra
desde sempre.
Jason
Hope, tirando seu elegante chapéu de três pontas, passou os dedos pelos cabelos
suados enquanto suspirava longamente, extremamente confuso e desconfortável com
a situação. Que noite estranha era aquela? Amigos se tornando inimigos, e um
inimigo se tornando aliado para, em seguida, diluir-se no ar como névoa, tal
como se jamais houvesse existido. Seu imediato também sumira sem deixar
vestígios, e o que se podia concluir era que o mesmo havia abandonado o barco
durante a confusão da batalha.
A
questão era que Thomas Brook sempre fora um homem leal a seu capitão e nunca,
nos sete anos em que pilharam juntos, fugira de um combate, por mais violenta
ou perigosa que fosse a luta. Seus homens só poderiam estar loucos ou, mais
provavelmente, bêbados a ponto mal se suster de pé. Certamente eles não tinham
revistado o navio tão minuciosamente quanto o comandante ordenara, o imediato
deveria necessariamente estar em algum lugar do Pandora. Não podia simplesmente haver desaparecido.
Isso era impossível, tanto quanto ser ajudado
por um cigano que, sendo adversário declarado dos súditos da Rainha Elizabeth
I, os tivesse ajudado e esvanecido sem deixar rastros, como se tragado pelas
profundezas insondáveis marítimas. E o cadáver da arca que também se fora? Que
se podia dizer disso? Quem se interessaria em roubar um homem morto de um baú
cheio de tesouros incalculáveis, muito mais atrativos que um corpo prestes a
entrar em decomposição?
Ora, que se danasse tudo, que se danassem
todos! Aquelas coisas não faziam o menor sentido, e serviam apenas para dar nó
no cérebro do nobre capitão Hope. Mandando tudo às favas, ele simplesmente
girou nos calcanhares e seguiu seus homens, que estavam indo jantar. Felizmente
para os piratas a bordo do majestoso, porém misterioso galeão espanhol, naquela
noite os acontecimentos plenos de estranheza se encerraram naquela ocasião.
Contudo,
no dia seguinte bem cedo, assim que o sol despontou no horizonte e lançou seus raios
dourados na água fria do oceano, um grito de alerta foi dado pelo vigia. Os
marujos reuniram-se no convés e, diante da cena fantástica, o pânico começou a
alastrar-se. Não vendo alternativa, tiveram de bater à porta do capitão Hope.
Ele surgiu no umbral com um aspecto amedrontador, como uma aparição: cabelos
revoltos, olhos inchados de sono, rosto amassado. Olhou para o marujo como um
cão de caça raivoso, prestes a saltar sobre o gamo que está perseguindo.
-
Bo... bom di... bom dia, senhor capitão! – gaguejou, numa saudação temerosa o
Carrasco, um dos piratas mais sanguinários que Hope tinha às suas ordens.
-
Que é que pode haver de bom a essa hora da manhã, seu infeliz? – guinchou Hope
mal-humorado – Infernos! Nem dormir se pode mais nessa espelunca! Que diabo
você quer aqui, marujo? Vamos, desembuche logo, antes que eu amarre uma bala de
canhão em seus pés e o atire ao mar, como punição por ter interrompido meu sono
sem um motivo justo.
-
Mil desculpas, meu capitão! Apenas vim porque é algo urgente. Encontraram o
imediato, Thomas Brook.
-
Verdade? E onde estava enfiado aquele cão?
-
Aí que está a seriedade da coisa. O senhor não acreditaria se eu dissesse.
Precisa me acompanhar, e ver com seus próprios olhos.
Quando
o pirata, que era alto e forte como um gorila, se virou para afastar-se, Hope
fechou a porta arrombada de seu camarote e seguiu o subordinado pelo suntuoso
corredor.
Minutos
mais tarde, já de fora de seu camarote e do castelo de popa, rumando para a
parte dianteira do barco, Jason Hope acabava de subir a escada que levava à
vante e estava observando a cena bizarra sob a luz tímida do sol que lhe feria
os olhos, enquanto proferia uma série de impropérios a quem quisesse ouvir,
ofendendo principalmente os corsários mais assustados, que ameaçavam abandonar
o navio e fugir a nado.
A irreal situação era a seguinte: Havia um
corpo humano atado firmemente à figura de proa de modo grotesco. Um homem morto
abraçado à imagem exata, feita em madeira, da mulher mitológica chamada Pandora.
Aquele era o cadáver de Thomas Brook.
O
imediato estava muito pálido, branco como cera, da cor do próprio pano que
compunha as velas daquele temível galeão. Tinha-se a impressão que todo o
sangue de seu corpo desaparecera. Estava amarrado à carranca com uma das
próprias cordas de bordo. Fora transformado em um penduricalho horrendo por
alguém mórbido a ponto de achar aquilo engraçado. Hope ordenou aos marujos que
tirassem Brook de lá e o trouxessem para diante de si.
O
pobre imediato Thomas Brook estava estirado como um trapo encharcado aos pés do
homem que fora seu capitão. Seu corpo, branco como leite, parecia realmente
desprovido de qualquer gota de sangue. Duas manchas arroxeadas foram
encontradas em seu pescoço, e no centro das manchas havia dois pequenos furos,
distando pouco um do outro, como se indicassem a medida de uma boca de animal.
Algum bicho provavelmente o mordera ali, exatamente sobre onde passava a veia.
Jason
Hope, ainda que seu rosto não transparecesse, estava profundamente intrigado.
Que tipo de marca era aquela, similar a uma mordida? Que animal poderia ter
causado aquilo? O mais estranho era o modo como Brook fora atado à figura de
proa. Serviço que com certeza fora executado por mãos humanas, já que Hope vira
nós caprichados na corda. Além do mais, somente um humano seria capaz de
prender o imediato na proa do navio daquela forma, principalmente sem que
alguém percebesse o que se passava.
Hope
reuniu seus homens temerosos e exigiu silêncio. Em seguida, quis saber quem
estivera de vigia na noite anterior. O marujo se apresentou e informou que não
vira nem ouvira nada durante toda a noite. Foi amarrado ao mastro e chicoteado
por isso, acusado pelo capitão por “falta de atenção” ao que se passava no
barco; era sua responsabilidade notar qualquer acontecimento fora do normal,
pois disso dependia a segurança de toda a tripulação. Assim que castigou o
vigia diante de todos, Hope deixou o homem meio desmaiado ainda amarrado ali e
deu a ordem para que os piratas preparassem o corpo de Brook a fim de que se
realizasse o sepultamento. Envolveram o imediato em um pedaço de lona velha,
costuraram a funesta mortalha improvisada, amarraram três balas de canhão nos
pés do defunto e o jogaram ao mar. O oceano era tudo para um pirata: seu meio de
vida, sua condução e, sobretudo, sua sepultura.
Quebrando
o ressentido silêncio de sua reduzida e enlutada tripulação, Jason Hope bradou:
-
Perdemos um grande marujo e bom amigo hoje, mas temos de seguir em frente. Vou
descobrir o que matou Thomas Brook, juro isso a vocês, por minha honra!
Todavia, precisamos seguir em frente! A Coroa inglesa conta conosco, nosso comandante
Francis Drake nos aguarda no porto mais próximo para que continuemos pilhando
os malditos espanhóis! Temos de voltar, para explicar ao almirante Drake como
fomos covardemente traídos pela nossa gente. Caçaremos então os amotinados
pelos sete mares e os mataremos um a um, como os cães danados que são!
Notando
que seu discurso pouco a pouco começava a surtir efeito na tripulação
entristecida, Hope nomeou um novo imediato e berrou aos homens, tentando
injetar-lhes mais uma dose de ânimo:
-
Vamos, bravos filhos da Inglaterra! Muito ouro ainda há para ser pilhado,
muitos vermes hispânicos estão aí para ser combatidos, muita água ainda deve
rolar sob nosso poderoso galeão, que agora será a mais majestosa embarcação
pirata a cruzar esses mares infinitos! Vamos homens, acertem a rota para a
África! Erguer âncoras! Desfraldar velas!
O
Pandora era um galeão espanhol imenso
e, como tal, exigia uma tripulação numerosa, cerca de duzentos marinheiros,
para que se cumprissem satisfatoriamente todas as tarefas de bordo. No entanto,
aqueles cinquenta indivíduos que permaneceram no barco, fiéis a Hope, eram
mesmo homens experientes, que amavam e entendiam o mar como o violonista cujos
dedos percorrem com familiaridade o braço de seu instrumento, ou com a
cumplicidade que liga o homem à sua amada, de modo que, com único olhar, sabe o
que se passa em seu íntimo. Para aqueles velhos lobos do mar, não havia outro
tipo de vida; o tempo em terra era como cortar as asas de um pássaro, era como
condená-los a permanecer acorrentados a uma prisão, um local triste e
indesejado.
Seus
pulmões funcionavam melhor quando o ar com que eram inflados possuía cheiro de
oceano. E então, os marujos a bordo do Pandora,
conquanto em número imensamente inferior ao necessário, lançaram-se ao trabalho
com afinco impressionante, uma determinação que, diga-se de passagem, causava a
impressão de que aqueles homens moveriam uma montanha se assim o desejassem.
Enquanto um grupo se esforçava na roleta do
cabrestante, bufando para girá-lo pesadamente e erguer as duas grandes âncoras
que mantinham o imenso barco estacado no meio do oceano, outros grupos acercavam-se dos
enormes mastros, manuseando-os para posicionar o descomunal navio a favor do
vento. A pequena, mas admirável tripulação pirata enfrentava o trabalho com a
mesma bravura com que encarava o inimigo durante as batalhas.
Os corsários movimentavam-se a bordo de modo
rápido e preciso. Entoavam velhas canções aprendidas com antigos navegantes que
já haviam partido dessa vida, buscados por Caronte e levados para as águas
eternais. Cantavam durante o trabalho, para que o ritmo do labor de seus braços
fosse sincronizado com o ritmo da canção. Garrafas de rum e vinho espanhol
passavam de mão em mão, e os marujos tomavam diretamente do gargalo, antes de
limpar a boca com as mãos e passar a garrafa ao companheiro mais próximo. Gesto
pouco higiênico, é verdade; todavia, de algum modo difícil de explicar, era um
meio de manter a tripulação unida, o que, naturalmente, faria com que lidassem
melhor com as situações difíceis que com certeza estavam por vir. Na vida de
marujo havia pouca facilidade, e isso era, justamente, um dos maiores atrativos
para aqueles homens. Uma vida incerta, sim, porém, com suas compensações.
Mantido
o curso da embarcação, rumaram para a África, onde Hope desejava que Francis
Drake estivesse aguardando. Consideravelmente superados a tristeza e o pavor
iniciais causados pelo que ocorrera ao pobre Brook, a viagem transcorria sem
maiores novidades. Essa relativa paz durou alguns dias, até que dessem por
falta de Paul Danton, o contramestre.
Entre
intrigados e temerosos, os corsários reviraram o galeão em busca do homem
desaparecido sem, no entanto, obter sucesso. O pirata sumira sem deixar
vestígios, da mesma maneira que acontecera com Thomas Brook. E o receio
imperava nos corações impiedosos daqueles homens bárbaros, os quais não temiam
nenhum oponente de carne e osso, mas enlouqueciam de medo ante a perspectiva de
se confrontar com algum inimigo sobrenatural, aqueles seres que habitavam as
lendas e a imaginação dos navegantes ao redor de todo o mundo.
Tentando
tranquilizar seus homens, Jason Hope já quase não conseguia mais disfarçar sua
própria insegurança, seus temores mais ocultos. Não tinha mais tanta certeza do
que se tratava, do que ocorria a bordo daquele barco bizarro. Tivera pesadelos
horríveis com um cigano sinistro saindo da arca, olhando para ele com olhos de
louco e gargalhando de um jeito que só o próprio Diabo seria capaz. Acordava suando
no meio da noite, respirando rápido e olhando amedrontado para o sombrio baú ao
lado da cama. Certa feita, jurava ter visto, na escuridão de seu camarote, uma
mão cadavérica masculina, branca como cera, sendo puxada para dentro da funesta
urna antes que a tampa se fechasse sem ruído.
Fazendo uso do que restava de sua presença de
espírito, friamente, num gesto rápido e decidido, Hope ergueu-se da cama e
alcançou sua pistola. Cautelosa e vagarosamente levantou a pesada tampa, o cano
da arma apontado para o seu interior... Então, num último e veloz gesto,
empurrou fortemente a tampa e descobriu a arca maldita. Mas não havia nada ali,
além dos incontáveis tesouros oriundos da colônia espanhola, onde tinham sido
angariados antes da pilhagem inglesa. Deitando-se novamente, Hope expirou o ar
com força e relaxou o corpo, sentindo o alívio inundar-lhe a alma. Jamais em
sua vida acreditara, por um segundo que fosse, ter de cogitar sobre a existência de
fantasmas.
Talvez
seus marujos estivessem certos. Talvez houvesse uma maldição naquele barco
esquisito. Talvez o piloto fosse o anjo negro, e o mesmo precisasse daquela
tripulação para manobrar o barco, levando almas perdidas para as profundezas
ardentes infernais. Quanta tolice! Drake com certeza riria na cara de Hope ao
saber o que ele pensava naquele momento. Mas Drake não estava ali para aconselhá-lo,
lançar alguma luz sobre aquele caso medonho. Por isso, Jason bebia durante
quase todo o tempo. Os piratas ficavam ainda mais amedrontados e perdidos ao
ver seu capitão imerso em álcool sempre que surgia no convés, cambaleante.
Por
ordem de Hope, a arca maldita foi removida da cabine e levada ao porão. Foram
precisos quatro marujos fortes para transportar a malfadada urna, e eles, com
visível expressão de desagrado, apenas aceitaram cumprir a tarefa durante o
dia, que era quando se sentiam mais seguros.
Encontraram
Danton pela manhã do sexto dia de viagem. Estava milagrosamente vivo, meio inconsciente,
caído atrás de alguma caixas de suprimento no porão escuro, dividindo espaço
com a arca maldita. O contramestre parecia muito doente; tinha a pele pálida e
fria, os olhos fundos e seu corpo tinha sido tomado por uma languidez
tenebrosa. Parecia um homem eternamente sonolento, não disposto a ter seu
descanso interrompido.
Viram
então as marcas em seu pescoço e em seu pulso, os mesmos sinais apresentados
por Brook, como se um animal tivesse mordido o pirata e sugado grande parte de
seu sangue. Para dar total vazão ao desespero acumulado no coração daqueles
corsários, ao ser chacoalhado pelos amigos e indagado sobre quem ou o que lhe
fizera aquilo, Paul Danton disse numa voz pastosa:
-
O espanhol... o cigano...
Ouvindo
o relato afobado de seus homens, que falavam aflitamente atropelando as
palavras, Hope tentou ser o mais firme que pode:
-
Qual cigano o que! Não percebem que Danton está delirando? Está muito doente, é
verdade. Entretanto, não foi sugado por demônio em forma humana nenhum! Estamos
lidando com um caso grave de escorbuto, já vi isso antes muitas vezes. Pode ser
uma doença fatal, precisamos deixá-lo em repouso e alimentá-lo do melhor modo
que pudermos até chegar à terra firme e levar o pobre diabo para ver um doutor.
-
Escorbuto? – indagou alguém que não parecia absolutamente convencido – Também já
vi casos dessa doença, porém, observo algumas diferenças nos sintomas. Danton
tem marcas no corpo, parece que algum bicho o mordeu...
Lançando
um olhar gélido ao marujo que dissera isso, Hope o fez calar-se. Em seguida,
comandou:
-
Vamos, levem o doente para um camarote mais confortável; e que lhes sejam
servidos carne fresca e ovos, bem como vegetais e frutas frescas no mínimo três
vezes ao dia. Ninguém mais vai morrer a bordo deste navio, não permitirei!
Trataram
Danton do melhor modo que puderam, mas com o passar do tempo ele continuou
murmurando, em seu estado febril, que o cigano o estava matando lentamente. Quando
o contramestre sucumbiu e morreu três dias depois, já havia mais três casos
semelhantes ao dele a bordo do navio. A situação fugia ao controle do capitão. Mas
ainda estava longe dos problemas acabarem.
Uma
calmaria malévola envolveu o Pandora na
mesma noite em que Danton foi enrolado em um velho cobertor e lançado ao mar, recebendo
um sepultamento de marujo. O vento, súbita e inexplicavelmente parou de soprar.
O silêncio pairou pesado. As ondas desapareceram e o mar estagnou-se, estranha
e perigosamente calmo. Os piratas preferiam mil vezes que o oceano estivesse
furioso, rugindo, pois sabiam como enfrentá-lo. Detestavam aquela falsa tranquilidade,
sabiam que ela era prenúncio de algo ruim.
As
velas do galeão murcharam e ele ficou parado no meio das águas apáticas, tão
imóvel como se os seus tripulantes houvessem baixado âncoras. O vento era essencial aos navegantes, sem ele,
não chegariam a lugar algum. Permanecer no meio do oceano daquela maneira era
certeza de morte para toda a tripulação. O ar quente e com cheiro de sal
entrava por suas narinas, tornando penosa a respiração dos marujos. O calor
cobria seus corpos de suor.
A ausência de sons enlouquecia os piratas,
afogando-os em um desespero silencioso. Ansiavam pelo estalido da madeira, o
balanço do barco e o vento zunindo no cordame. A todo instante fitavam as velas
mirradas, cheios de uma esperança cega que camuflava a angústia. Com uma prece
silenciosa ao erguer os olhos, os piratas ingleses desejavam ardentemente que
as velas se enfunassem repentina e milagrosamente, arrancando-os daquela
estagnação desesperadora. Mas não eram atendidos.
Tinham
sido maus meninos, matado muitas pessoas inocentes. Talvez por isso Deus não
estivesse contente com eles. Talvez morrer ali, condenados a perecer isolados
no meio da água e do silêncio fosse seu castigo vindo direto dos Céus, pois,
tão mortífera quanto a tempestade, era a calmaria.
O
tempo passava lentamente. Apenas o sol e a lua se moviam naquele cenário de
morte, trocando de lugar no céu sem nuvens. O ar parado era sufocante. Gradativamente
os marujos iam caindo doentes, atacados pela mesma coisa que vitimara Danton,
a mesma coisa a qual Hope insistira, era escorbuto, embora nem ele mesmo
acreditasse mais nisso.
Naquela
ocasião, quando anoiteceu, a lua cheia e macabra elevou-se imensa no céu escuro
e quase sem estrelas. Era um fantasma pálido e agourento flutuando acima da
mastreação do galeão, a qual era inútil sem o vento. A lua pálida lançava seu
reflexo frio e prateado na água totalmente parada. Ainda que fosse noite, o ar
era quente, asfixiante, como se saído do inferno. A cortina de silêncio quase
palpável, carregado de promessas de morte e mensagens de insanidade foi
dilacerada abruptamente pelo grito do vigia:
-
Vela à vista!
Os
marujos duvidaram de seus ouvidos. O vigia só podia ter enlouquecido. Não havia
vento para inflar velas, como poderia haver um navio se aproximando? Os
piratas, pálidos, suados e fracos, cambalearam para a amurada e viram.
Realmente viram um imenso navio que navegava em sua direção. Tinha as velas
enfunadas e sua velocidade era tal que poderia se dizer que um vento poderoso,
soprando na popa descomunal do barco, o impelia com ferocidade. Mas aquela cena
era improvável.
O
ar estava parado ainda ao redor do Pandora.
Os ingleses contemplaram a água e nada nela havia mudado; o oceano continuava
escuro e insondável, liso como vidro polido que rebrilhasse ao luar. Os olhos
dos homens, incrédulos, iam das velas murchas de seu navio para a mastreação
imponente do barco que se aproximava, com as velas engordadas pelo vento
sobrenatural. Depois, miravam o céu e o mar morto, quieto, silencioso como um
túmulo gigantesco que estivesse à sua espera.
O
medo era tamanho que paralisara os tripulantes do Pandora, os quais fitavam o barco chegando com a certeza de que
estavam todos loucos. Então, quando o navio estava perto o bastante, um gemido
escapou dos lábios ressecados de Hope, o pânico revirando seu ser quando reconheceu o outro barco.
-
Não... não pode ser... – sussurrou o capitão de olhos arregalados e segurou-se
na amurada para não cair vencido pelo cansaço, pela fraqueza e pela loucura.
Continua...
Danilo Alex da Silva
“E
a maldição prossegue no mar
E
a maldição prossegue para eles e para mim
Dia
após dia, dia após dia,
Estamos
parados, sem vento e sem movimento
Tão
parados como um navio pintado em um oceano pintado
Água,
água para todo lado e toda a comida se foi
Água,
água por todo lado, e nem uma gota para beber”
(Rime
of the Ancient Mariner – Iron Maiden)
Agora fiquei preocupada... Tá bom, na verdade é medo mesmo... =S mas está muiiiito bom. Parábens!!!
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