- Depressa, vamos saltar aqui! – disse o homem aos outros quatro que o acompanhavam.
Estavam a bordo clandestinamente de um
trem, cujos numerosos vagões chacoalhantes, carregados de soja e milho, seguiam
rumo à capital. Naquele momento, a composição avançava ruidosamente sobre os
trilhos que cruzavam serpenteando a extensa área rural. Naquele momento o
cenário era hostil; a mata fechada margeava os trilhos. Encontravam-se no meio
do nada, e foi exatamente no meio do nada que os cinco passageiros clandestinos
resolveram desembarcar, tão silenciosa e furtivamente como tinham subido a
bordo.
Pularam do trem ainda em movimento e
aterrissaram pesadamente, rolando pelo chão. Em seguida, embrenharam-se na
cerrada vegetação, crescida na beira dos trilhos e que recobria grande parte do
solo no local onde se encontravam. Uma vez ocultos pela vegetação, começaram a
correr na direção que aquele que parecia ser o líder determinou. Eram pouco
mais de vinte e três horas quando aquele intrigante quinteto apeou do trem e se
entranhou no matagal. E eles corriam em plenos pulmões, como se fossem seguidos
de perto pela sombra espectral do anjo ceifador.
Aqueles cinco homens eram foragidos da
lei e, menos de quatro horas antes, seguindo minuciosamente um audacioso plano
elaborado por aquele que parecia ser o chefe, haviam conseguido burlar a
intensa vigilância e escaparam de uma penitenciária de segurança máxima, com
fama em todo estado de ser praticamente inescapável.
Ao se verem livres da famigerada
cadeia, os cinco companheiros correram através da mata cerca de um quilômetro e
meio, até chegar ao rio. Durante todo o trajeto, com a respiração ofegante e o
pulso extremamente acelerado, eles ouviram o berro estridente do alarme da
prisão, alertando sua fuga. Luzes vermelhas intensas e holofotes poderosos
vasculhavam a noite em várias direções. Viram lanternas varrendo poderosamente
a escuridão, e ouviram latidos de cães de caça furiosos que farejavam seu
rastro. Escutaram vozes exaltadas e gritos de comando. E correram o máximo que
puderam, escondendo-se da melhor maneira possível.
Finalmente alcançaram a borda do rio e
não tiveram dúvidas: atiraram-se na água enquanto os fachos das lanternas se
aproximavam perigosamente. Antes de mergulhar, ainda ouviram o som de rifles
sendo engatilhados. Desapareceram nas águas impetuosas e escuras. Enquanto se
deslocavam, buscando se afastar o máximo que conseguissem da superfície, viam
os traços espumantes que as balas descreviam ao cortar a água e perder força,
passando rente seus corpos imersos em fuga. A correnteza, embora ameaçasse
afogá-los, auxiliou-os a escapar.
Quando saíram do rio, ensopados,
correram mais algumas dezenas de metros e conseguiram embarcar no trem que
passava por ali naquele exato momento, onde os trilhos faziam uma curva. Horas
depois, ao saltar do trem, os cinco fugitivos prosseguiram em sua fuga e adentraram
um bosque escuro e sombrio, onde as copas das árvores se entrelaçavam, em uma
espécie de abraço assustador. Tudo estava acontecendo exatamente como o líder
planejara. Logo chegaram a uma velha e enorme árvore, cujo tronco estava
marcado com um grande X entalhado a canivete. O chefe
do grupo, que se chamava Robson, sorriu. Seus outros capangas, do lado de fora
das grades, cumpriram corretamente suas ordens. Atrás da árvore havia uma pá,
que usaram para cavar junto à base do tronco.
Depois de algum tempo, acharam um saco
de lixo preto, dentro qual havia roupas, sapatos, algum dinheiro, documentos e
algumas armas. Livraram-se dos uniformes laranjas de reclusos, e vestiram
roupas normais, jeans, camisetas e calçaram tênis. Cada um ficou com um revólver calibre
38, que municiou rapidamente. Feito isso, prosseguiram em sua fuga mata
adentro. Tiveram sorte por ser noite de uma exuberante lua cheia, de modo que a
luz prateada do satélite natural da Terra, filtrada pelos galhos e copas das
árvores, projetava seu holofote pálido sobre os fugitivos, iluminando seu
caminho, ainda que de maneira precária.
A zona rural à noite podia ser um lugar
extremamente perigoso e intimidador, mesmo para aqueles cinco criminosos em
fuga. Corujas piavam agourentamente aqui e ali. A sombra das árvores contra a
lua era fantasmagórica. Grilos cricrilavam incessante e irritantemente, e sapos
coaxavam de maneira repetitiva e monótona. Vez ou outra ouviam o bater das asas
de algum morcego que passava voando pouco acima deles. Durval, que era o mais jovem
dos criminosos, era o mais amedrontado também. Arregalava os olhos a todo
momento, sobressaltado quando ouvia algum farfalhar suspeito na mata ou algum
estalido nas proximidades. Acalmava-se relativamente ao perceber que era apenas
um dos companheiros que havia pisado em algum galho seco. Com o coração
martelando no peito, enxugou o suor da testa com as costas da mão e cutucou o
chefe, que se virou para olhá-lo com mau humor.
- Que foi dessa vez, Durval?
- Robson, estou um pouco apreensivo.
Ouço barulhos estranhos na mata, e tenho a impressão de ver olhos amarelos e
malignos flutuando na escuridão. Sinto como se algo nos vigiasse.
- Deixe de ser frouxo, homem. Vou dizer
pela terceira e última vez, preste atenção: É coisa da sua imaginação! Onde já
se viu sujeito barbado ter medo de assombração?
- Meu pai foi criado numa roça como
essa, chefe. Ele recontava para mim as histórias que ouviu de meu avô. Causos
sobre coisas do além que pegam gente desavisada como nós, em noites sombrias
como essa. Para mim, o diabo anda por essas bandas e nos espreita do meio da
mata!
- Então o diabo anda pelo campo? Talvez
ele esteja pensando em adquirir um pedacinho de chão, ué! – zombou Robson e,
enquanto os outros riam, continuou – Durval, faça um favor a todos nós e feche o
bico! Ah, e vê se não vai me borrar essas calças, porque senão vai ter que
andar com elas sujas mesmo; não temos outra, e vamos demorar a trocar de roupa
agora.
Enquanto os companheiros gargalhavam,
Durval calou-se e fechou a cara, emburrado. Os homens ainda estavam rindo
quando um som sinistro flutuou noite adentro, fazendo o riso morrer em seus
lábios e seu sangue gelar de repente. Um uivo possante e aterrador era lançado
em direção à lua cheia, vindo de algum lugar da mata cerrada. Aquele ruído estridente, prolongado e aterrador era capaz de despertar o medo no coração do homem mais
corajoso, e poderia tirar o sono de qualquer um. Todos os outros bichos
emudeceram, como se a própria natureza se encolhesse de pavor diante daquele chamado ferino, selvagem. Coisa de filme de terror americano.
- Mas que diabo foi isso? – indagou
Robson francamente intrigado, fitando seus companheiros trêmulos.
- Não pode ser um cão, chefe. – opinou
Amós – Parece ser um bicho grande. Acho que nessa mata tem lobo.
- Eu não falei? Eu não falei? –
sussurrava Durval aterrorizado, gesticulando nervosamente.
- É o troço mais esquisito que já ouvi
na vida. – comentou Waldir espantado.
- Precisamos dar o fora dessa mata. –
afirmou Joel – Encontrar um lugar seguro.
Todos concordaram. Sacando seus
revólveres, os engatilharam e começaram a se mover mais rápido, olhando
atentamente ao redor. Para alívio geral, avistaram ao longe as luzes de uma
casa ilhada por lavouras. Demoraram cerca de vinte e cinco minutos para cobrir
a distância que os separava da residência iluminada, onde, acreditavam, estariam
seguros. Uma densa atmosfera de apreensão, de inquietude, os envolvia. Sentiam
como se algo os perseguisse no escuro. Ouviam uma respiração animalesca e um
rosnado feroz de algo que vinha em seu encalço. Uma presença rápida e maligna
parecia caçá-los protegida pela mata escura. Toda vez que apontavam a arma para
trás, era como se a presença obscura desaparecesse. A mata não se movia então,
a não ser pela ação do vento.
Chegaram finalmente a casa e esmurraram
a porta, pedindo ajuda. Estavam lívidos. A reforçada porta de madeira se abriu
com um rangido e, assim que eles passaram, foi fechada rapidamente outra vez.
Arrastaram uma pesada mobília para frente dela, bloqueando desse modo a entrada
de qualquer intruso. Então os cinco recém-chegados, ofegantes, olharam a
família moradora daquela rústica casa, iluminada por lamparinas e lampiões já
que, aparentemente a luz elétrica não vinha até ali. Havia cinco pessoas na
residência quando os fugitivos chegaram: uma mulher muito bonita e jovem com
uma criança de colo, um rapaz que parecia ser o esposo da moça, um garotinho
magrelo e pálido de uns onze anos e uma senhora doente, de cama. Eles
naturalmente se encolheram ao ver as armas dos cinco homens, mas já aparentavam
estar muito assustados quando os desconhecidos entraram pela porta.
- Somos foragidos da justiça, porém,
não se preocupem: não vamos fazer mal a vocês – disse o líder guardando o
revólver na cintura e sendo imitado por seus companheiros. – Meu nome é Robson,
e quero agradecer por terem nos acolhido. Estamos sendo procurados pela
polícia, e precisamos de um veículo para continuar nossa fuga. Apena isso.
- Temos só o velho caminhão que meu pai
usa para levar e trazer as coisas da cidade. – disse a moça embalando o bebê,
amedrontada.
- Ótimo – disse Robson – Vamos levar o
caminhão de vocês, mas o abandonaremos na margem da estrada, alguns quilômetros
a leste. Poderão recuperá-lo pela manhã. E ninguém vai tocar em vocês, eu
garanto. – disse o líder lançando um significativo e duro olhar em direção a
Waldir, que já fitava a moça com olhos brilhantes e cobiçosos. Waldir havia
sido preso por inúmeras acusações de estupro. Ante o olhar severo do chefe, o
criminoso se encolheu. Ele não desobedeceria Robson; respeitava sua autoridade
e liderança. Afinal, foi Robson que tirou todos eles da prisão.
O garotinho, assustado, se escondeu
atrás da moça, e o rapaz apreensivo, em atitude protetora, se interpusera entre
os forasteiros e sua família. Diante disso, Joel soltou uma risadinha e
exclamou:
- Se aquiete, meu jovem. O chefe disse
que ninguém vai tocar vocês, e se ele falou, a água parou. Ele é um homem de
palavra, e nenhum de nós aqui é doido para desafiá-lo.
Mesmo depois dessas palavras o rapaz
permaneceu olhando-os com desconfiança. Ignorando esse fato, Robson dirigiu uma
pergunta aos anfitriões:
- Sabem se nessa mata aqui ao redor
mora algum bicho grande, como um lobo ou uma onça, algo assim? Alguma coisa
estava nos perseguindo antes de chegarmos aqui.
Assim que o chefe do bando acabou de
falar, os moradores da casa se entreolharam de modo assustado e significativo.
Estavam prestes a abrir a boca para responder quando a velha senhora enferma,
deitada na cama resmungou algo.
- O que foi que ela disse? – indagou
Durval arregalando os olhos, duvidando de sua audição.
- Não se preocupem, ela está delirando.
Deve ser a febre. – disse a moça timidamente, com olhos assustados, tentando
desconversar.
- Não estou louca! – protestou a velha
deitada, enquanto o garotinho corria a pousar um pano úmido em sua testa, e
repetiu a frase que tinha resmungado antes – Essa é a noite da Besta!
- Noite da Besta, senhora? – repetiu
Waldir, incrédulo.
- Isso mesmo, meu jovem! – prosseguiu a
velha com uma voz esganiçada – Há tempos não me levanto dessa cama. Digam-me,
meus filhos, em qual lua estamos?
- Hoje é noite de lua cheia. –
respondeu Joel, começando a acreditar que a senhora enferma delirava de fato.
- Pois é. – disse a mulher acamada –
Toda vez que a lua cheia se levanta no céu, a Besta caminha sobre a terra.
Continua...
Danilo Alex da Silva
“Brilhante
é a lua alta no firmamento
Gelado
é o ar frio como aço esta noite
Nós
mudamos, chamado selvagem
Medo
nos seus olhos, é mais tarde do que você achava."
(Of
Wolf and Man – Metallica)
UAU! Lua cheia sempre misteriosa!
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