terça-feira, 26 de junho de 2012

A Arca de Pandora - Parte II





O imenso navio se aproximava de modo imponente, cortando as ondas com suavidade e rapidez, as velas enfunadas pela brisa marítima da manhã. Uma intrigante aura de mistério parecia envolver o Pandora.
Hasteada no topo de sua mastreação, tremulava a bandeira com as cores da Espanha. De onde estava, Jason Hope, o capitão inglês do brigue pirata Ghost Bride, fazendo uso de sua luneta, pode divisar com nitidez a frente do galeão. Na proa, entalhada com esmero e habilidade artística incomuns, havia a sinistra carranca, ou figura de proa, uma imagem, geralmente assustadora, usada na frente, na ponta das antigas embarcações para afugentar os maus espíritos.
A figura que ornava a proa do galeão Pandora, era a de uma mulher bela, jovem e sombria, de olhar medonho, e cabelos longos, revoltos, como se agitados pelo vento que encrespava o mar, gerando ondas que embalavam a embarcação. Ela usava uma túnica grega, como aquelas que vemos nas representações da deusa Athena. Em suas mãos a jovem trazia uma caixa ornamentada com inscrições místicas, a qual estava prestes a abrir, despejando seu conteúdo maligno sobre a face da Terra. Sem sombra de dúvida, aquela era a lendária personagem da mitologia grega, cujo nome fora usado para batizar também aquele misterioso galeão espanhol. Jason Hope tornou a sentir um arrepio avassalador percorrendo sua espinha.
Havia pouca movimentação a bordo do Pandora. Os navios que o escoltavam eram menores e insignificantes aos olhos de Hope. Mesmo fortemente armados, não mereciam mais a atenção do capitão pirata inglês. Pandora era o que lhe interessava. Algo inexplicável o atraía para aquele navio. Então, Hope se voltou e começou a organizar sua tripulação de ladrões do mar para o ataque. Quase em seguida, o sentinela de bordo do Pandora emitiu o alerta de aproximação sobre a flotilha ainda não identificada que navegava ao seu encontro. Imediatamente, como mágica, uma grande quantia de marujos emergiu de escotilhas e passou a transitar preocupadamente pelo convés do galeão espanhol.
- Eles desejam nosso sinal, senhor. – disse Thomas Brook, o imediato, a seu capitão, Jason Hope.
Com um sorriso frio, o comandante pirata disse ao seu subordinado:
- Pois bem; então não vamos fazê-los esperar mais, não é mesmo, meu bom amigo?
Dada a ordem, a bandeira da Inglaterra foi içada e hasteada, agitando-se majestosamente ao vento impetuoso que engordava velas e golpeava flâmulas. Feito isso, o imediato Brook, que seria o substituto do capitão caso algo ocorresse a Hope, fez nova pergunta:
- Qual cor, senhor? A negra ou a vermelha?
- Vermelha. – rosnou Hope pousando a mão sobre a bainha de seu sabre, atrelada à sua cintura.
Mal o capitão respondeu, o segundo estandarte começou a subir. Era a Jolly Roger, a famosa bandeira pirata, com uma caveira acima de duas tíbias cruzadas. Se ainda hoje esse símbolo representa para nós perigo mortal, na época era motivo de desespero a bordo das embarcações. Geralmente a Jolly Roger era negra; todavia, havia também a rubra, aquela que o capitão Jason Hope escolhera. Quando a bandeira pirata de cor vermelha surgia no topo do mastro, o pânico percorria a tripulação do navio a ser atacado como uma grave doença de contágio instantâneo, porque o vermelho era a cor da morte. Ele indicava que os corsários não demonstrariam misericórdia durante a abordagem.
Enquanto os navios espanhóis começavam a se alinhar para enfrentar os sanguinários ladrões do mar, os navios pirata Lady Storm e Red Diamond imitaram o Ghost Bride, hasteando as mesmas bandeiras e perfilando-se para a luta, que seria feroz. 
 O mar espelhava o azul do céu. O vento zunia nos cordames e enchia as velas, impulsionando os barcos em suas precisas manobras de guerra. O sol, silencioso e vívido, espiava enquanto os seres humanos se aprontavam para derramar sangue. As ondas tocavam suavemente os cascos das embarcações, os mesmos cascos entre os quais, algum tempo mais tarde, após a batalha, estariam encobertos pelas ondas, rumando solenemente para seu local de descanso eterno no fundo do mar.
O par de navios hispânicos que defendia o Pandora foi o primeiro a disparar seus canhões. Abriram fogo quase ao mesmo tempo, tão logo se posicionaram para o combate. Um canhonaço perdeu-se na água, entre os barcos pirata, mas o outro fez estremecer o Red Diamond, abrindo um buraco considerável no convés de proa. O reboar dos canhões soando de modo apocalíptico. A madeira rangeu, como se gemesse. Das alturas, um albatroz majestoso contemplava a luta enquanto batia suas asas para perto das poucas nuvens que pincelavam o céu. Hope deu a ordem e o Ghost Bride vomitou fogo sobre o oponente, destroçando o mastro de ré de um dos barcos hispânicos de escolta. Enquanto isso acontecia, o Pandora concluía pesadamente seu posicionamento e apontava suas bocas mortíferas para o trio de navios inimigos. Era um galeão ainda mais formidável por seu incrível poder de fogo: possuía cerca de oitenta canhões, quarenta de cada lado, distribuídos ao longo de seus impressionantes três andares.
Naquele momento, as quatro dezenas de canhões de bombordo, ou seja, do lado esquerdo da feérica embarcação, estavam apontadas para os corsários, os quais, tendo o vento a seu favor, aproximavam-se a todo pano. Quando o capitão espanhol emitiu a ordem, simultaneamente as bocas de fogo estrondosamente lançaram chumbo sobre os atacantes. A maioria dos tiros acertou o mar, erguendo imensas trombas d’água. Todavia, alguns provocaram estrago.
O Lady Storm viu-se terrivelmente sacudido quando três canhonaços certeiros golpearam consecutivamente seu corpanzil reforçado de madeira. Um dos mastros foi atingido; partindo-se fragorosamente, veio abaixo tragicamente, como o tronco da árvore abatido pelo machado inclemente do lenhador. O mastro despedaçado tombou pesadamente sobre o convés, esmagando uma dúzia de piratas que não conseguiu fugir a tempo.
Enquanto o trovoar dos canhões rasgava os ares, os projéteis sacudiam o mar e os navios que possuíam o infortúnio de ser alvejados. As balas de canhão eram bolas negras de ferro, que pesavam cerca de 15 kg, destruindo o que surgisse pela frente. Jamais aquele trecho de mar havia presenciado batalha naval tão estupenda. A fumaça escura provocada pela pólvora formava uma nuvem que pairava sobre a água e comprometia a visibilidade dos artilheiros de ambos os lados. Os canhões rugiam e flamejavam incessantemente. Os ingleses já se encontravam perigosamente perto. Se o vento continuasse os ajudando, dentro em pouco poderiam lançar os ganchos e iniciar o assalto aos barcos hispânicos. Por isso, avançavam veloz e bravamente, encarando destemidamente os canhonaços inimigos, que os destroçavam aos poucos.
Os dois navios de escolta do Pandora eram embarcações de guerra, com tripulação experiente e soldados bem treinados a bordo. Uma esguia fragata batizada de Dom Filipe, e uma charmosa corveta que trazia gravado em seu casco o nome El Vigilante. Ambos haviam sido de grande valor na batalha, e causaram grandes danos na flotilha pirata, mas agora estavam indo a pique e falhando com sua missão; antes que tocassem o fundo do oceano, o Pandora já estaria sendo saqueado, e sua tripulação impiedosamente exterminada pelo inimigo implacável.
Isso acontecia porque Jason Hope era um capitão singular, estrategista como poucos. Sentia-se honrado quando lhe era dada a oportunidade de combater lado a lado com seu comandante e grande amigo, o temível pirata inglês Francis Drake, um homem que aprendera a odiar os espanhóis desde a infância, e usava toda sua habilidade para se vingar e destruir o inimigo.
 Com Drake, Hope aprendera a comandar um navio e batalhar com maestria em alto mar. Fora igualmente convivendo com o amigo que Jason desenvolvera similar ódio pelos hispânicos. Iria abordar aquele galeão em nome da Inglaterra. Iria honrar a amizade e a autoridade de seu capitão Francis Drake. Atacaria. Pilharia. Mataria. Queria ser motivo de orgulho para Drake. Desejava apoderar-se do Pandora e de seus tesouros. Mais riquezas espanholas para a Coroa britânica. Vida longa à rainha Elizabeth I! Mais um majestoso navio para integrar a frota pirata de Francis Drake, conhecido como “El Dragón” por todo homem cujo berço fosse a Espanha e, por conseguinte, seu inimigo mortal.
Enquanto o Dom Filipe e o El Vigilante afundavam, deixando boa parte de sua tripulação a se debater na água, e abandonando o Pandora à própria sorte em pleno confronto, os ingleses se preparavam para iniciar a abordagem. Os três navios pirata rumavam diretamente para o titânico galeão que, a despeito de toda a sua grandeza estrutural e poder de fogo, aparentava estar indefeso frente ao inimigo, meio oculto pela fumaça negra e fétida provocada pela pólvora.
O Ghost Bride e o Red Diamond, embora avariados pela artilharia inimiga, navegavam de modo elegante em direção ao adversário. Sua maneira orgulhosa de se deslocar mais lembrava dois cidadãos ingleses que percorressem a pé, com seu costumeiro ar afetado e superior, as enevoadas ruas de Londres.
 Já o Lady Storm se encontrava visivelmente comprometido. Vinha um pouco atrás, sofrendo com a perda de alguns postes de sua mastreação. Estava adernado, mal parecia conseguir manter-se flutuando. Possivelmente estava fazendo água bem rápido e, se os porões chegassem a ficar inundados, o temível navio pirata iria, inevitavelmente, naufragar em poucos instantes.  Resistira à tormenta, mas não à intensa e competente fuzilaria espanhola.
 Saber que um dos navios estava condenado irritou ainda mais Jason Hope, que passou a gritar e a gesticular para os seus marujos, exigindo que se aproximassem logo do galeão, para que o ataque tivesse início. Parecia um homem possesso por um mau espírito.
 Conquanto lutasse sozinho agora, e prosseguisse na tentativa de rechaçar os adversários com seus canhonaços devastadores, o Pandora finalmente estava ao alcance dos ingleses e, portanto, vulnerável ao assalto. Percebendo isso, com as faces afogueadas pelo ódio e excitação, o capitão Jason Hope ordenou que se realizasse a abordagem.
Sacou com um gesto pomposo o seu fabuloso sabre, cuja empunhadura era dourada e o cabo, decorado com jóias preciosas roubadas de tesouros hispânicos, e a lâmina reluziu fascinantemente ao sol daquela manhã fatídica. Então, apontando de maneira ensandecida a espada, primeiro para o alto, e em seguida para frente, com o vento bagunçando seus cabelos e propiciando um clima tenebroso à fantástica cena, o capitão pirata inglês Jason Hope urrou selvagemente, a plenos pulmões:
- Lancem os arpéus, seus energúmenos! Eu ordeno; roubem e matem à vontade! Não façam prisioneiros! Nenhum desses espanhóis verá o pôr do sol de hoje.

Continua...


Danilo Alex da Silva


“Então gritou o marinheiro,
Lá vem uma embarcação no horizonte
Mas como ela pode navegar
Sem vento e sem correntes?”
(Rime of the Ancient Mariner – Iron Maiden)

Nenhum comentário:

Postar um comentário