sábado, 23 de junho de 2012

A Arca de Pandora




Provavelmente você já ouviu falar de navios fantasma. Talvez tenha acreditado nos relatos que te forneceram, talvez não. De qualquer forma, embora não crer seja um direito seu, peço que acompanhe comigo essa história e, no fim da mesma, tire suas próprias conclusões. Não precisa prometer que vai acreditar em cada vírgula escrita aqui, tampouco é necessário que jure levar a sério cada palavra desta narrativa. Sei que é difícil dar credibilidade ao que vou contar, mas tudo o que desejo é alguém para compartilhar a lenda. Invista um pouco do seu tempo nisso, permita-se carregar pelas asas da imaginação. Garanto que não se arrependerá.
Navios fantasma são vistos há muito tempo, ao redor de todo o mundo. Quando aparecem, geralmente são interpretados como presságios de morte: tempestades brutais a caminho, terríveis desastres marítimos, ataques de corsários sanguinários. São arautos indesejáveis, sua aparição comumente é sinal de mau agouro. Navios que foram encontrados à deriva, os móveis e objetos intactos, mas sem nenhum vestígio da tripulação. Mistérios marítimos que perduram até os dias atuais. Navios assombrados, fadados a singrar os mares de modo eternal e fantasmagórico, regidos pela situação inexplicável que os transformou nessa espécie de aviso mortal.
Falaremos então sobre um navio fantasma, conheceremos a origem de sua lenda. Entretanto, a fim de que você compreenda melhor, é preciso que retrocedamos alguns séculos no tempo, até um ponto específico onde começa nossa história. O ano é 1.580. Estamos na gloriosa era das velas, quando navios enormes, movidos pelos ventos poderosos de alto-mar, cruzavam os oceanos infinitos rumo ao desconhecido. Época de imensas conquistas; desbravar terras, angariar tesouros e, principalmente, tempo de grandes conflitos no mar. Quem ousava se aventurar pelos oceanos, não devia temer apenas o mau tempo. Precisava estar preparado também para enfrentar outro grande terror das águas: os lendários piratas.
E havia um corsário em especial, um inglês, que estava tirando o sono de Dom Filipe II, o rei da Espanha. Seu afamado nome era Francis Drake. Tendo recebido uma carta de corso, famosa “licença para roubar”, outorgada pela própria rainha Elizabeth I, Drake cruzava os mares pilhando navios espanhóis e obtendo riquezas para a Inglaterra. Ele abordava e saqueava os galeões espanhóis que navegavam lentamente devido o peso do ouro e da prata que obtinham nas colônias. Francis Drake fez com que grande parte dos tesouros que chegariam às mãos de Dom Filipe II fosse parar nas profundezas do Atlântico. Ouro, prata e esqueletos de valorosos soldados hispânicos jazem encerrados no fundo do mar, sepultados no bojo amplo e majestoso de suas embarcações. Não é de se admirar então que o rei da Espanha tenha oferecido uma vultosa recompensa pela cabeça desse comandante pirata.
À medida que Drake realizava seus ataques a bordo do seu temido galeão inglês, o Golden Hind, mais navios se agregavam à sua pavorosa frota pirata. Certa vez, comandando sua esquadra de navios corsários, Drake retornava de uma de suas patrulhas em busca de navios carregados que pudesse pilhar. Saíra do mar do Caribe, costeara o Haiti, a Jamaica e a República Dominicana, e subia em direção às Bahamas, onde abasteceria os navios para a longa viagem de volta até a Inglaterra, a fim de entregar à sua majestade britânica os frutos de seus roubos no mar. E assim o fez.
Quando havia pouco que partiram das Bahamas e já se encontravam em pleno Atlântico, uma violenta tempestade os colheu no caminho. O mar rugia e agigantava suas ondas ao redor da fabulosa frota pirata, que não mais parecia tão ameaçadora. Frente à força descomunal da natureza, não há invenção humana que possa se equiparar. Os imensos e portentosos navios ingleses, assemelhavam-se a míseras folhas no centro da tormenta, lançados de um lado para outro como brinquedos de criança. Dois barcos foram destroçados pela tempestade e rapidamente tragados para o fundo do oceano furioso. Navios e marujos desapareceram nas águas escuras e sinistras, desfalcando a esquadra de Drake.  
Dos navios que não afundaram, alguns saíram bastante avariados do temporal. O nosso navio é um brigue garboso, chamado Ghost Bride. Seu capitão se chamava Jason Hope, um homem muito chegado a Francis Drake, uma espécie de irmão do famoso pirata.
Hope era muito respeitado entre os amigos, e temido entre os inimigos. Naquele instante de intenso perigo, quando a maioria dos capitães estaria trancada em seu camarote, Jason Hope se misturava aos seus homens, contribuindo na árdua tarefa de fazer o barco resistir ao mau tempo. Elevava o máximo que podia sua voz de comando, para que fosse ouvido acima do rugido do vento. Como o resto da tripulação, amarrou-se a uma das cordas presas aos mastros, para impedir que fosse varrido ao mar pelas ondas colossais que a todo instante assaltavam o barco. Tinha perdido alguns marujos quando estes escalavam os mastros para recolher as velas, o que era essencial. Velas desfraldadas em uma ventania daquelas eram certeza de naufrágio.
O balanço brusco e constante da embarcação tornava praticamente impossível permanecer de pé sobre o convés. Relâmpagos rasgavam a escuridão e, não raro um raio ia alvejar o mar revolto. A chuva copiosa doía na pele, parecia encharcar os ossos e arder na alma. Madeiras estalando e rangendo fantasmagoricamente. O mastro principal envergado pelo vento poderoso, dando a impressão de que ia se partir a qualquer momento. O piloto pálido, agarrado ao timão enquanto tentava fazer uma prece. Sua voz saía enrolada devido ao rum que estivera bebendo antes de o alerta de tempestade ser dado pelo vigia lá do alto da gávea. Apesar de seus admiráveis esforços, o timão girava sozinho, bem como o brigue, que se achava irremediavelmente descontrolado. Os homens faziam o que podiam: usavam baldes para atirar fora do barco a água que invadia o tombadilho. O Ghost Bride resistia valentemente à terrível tormenta. A figura de proa, uma espectral mulher vestida de noiva e de braços abertos, parecia desafiar os céus e o mar enfurecidos. O vento, a chuva e a escuridão fechavam o cerco, deixando o brigue de Jason Hope cada vez mais encurralado.
Então, milagrosamente, depois de algumas horas que pareceram uma eternidade, finalmente o vento soprou com menos intensidade e a chuva deu uma trégua. O céu começou a se livrar das nuvens gordas e escuras. O sol brilhou e os pássaros voltaram a atravessar o ar entoando seu canto magnífico, que aquecia o coração embrutecido daqueles lobos do mar. A tempestade se foi, mas os resultados de sua passagem ficaram: o mastro principal estava torto, em tempo de se partir, tamanha a força da tormenta.
A maior parte da esquadra de Drake havia desaparecido, restando apenas o Lady Storm e o Red Diamond para navegar lado a lado com o Ghost Bride. O Golden Hind de Drake e os outros navios deviam estar a muitas milhas de distância, o temporal podia tê-los arrastado em qualquer direção; talvez ainda estivesse carregando-os naquele momento, distanciando-os mais e mais da rota e da outra parte da esquadra.
Jason Hope, por ser o mais velho e mais experiente, foi escolhido para comandar a flotilha de bandidos do mar. Como o Bride, os outros barcos também precisavam de reparos, então não seria possível prosseguir na longa jornada de volta para casa. Teriam de regressar às Bahamas, onde poderiam consertar as embarcações e renovar os suprimentos, já que boa parte da comida se perdera devido a água que invadira os porões. Além do mais, se voltassem, durante o tempo que aguardassem para que os navios estivessem reparados e o estoque de comida reposto, talvez Drake surgisse para reencontrá-los. Assim, poderiam seguir viagem juntos normalmente. Já havia acontecido algo parecido antes. E a cidade portuária das Bahamas para onde estavam indo era um ponto de reencontro previamente combinado por Drake com todos os capitães dos demais barcos de pilhagem sob seu comando. Quando puderam consultar a bússola, seguiram as recomendações do capitão Hope e voltaram os três barcos ingleses temporariamente para terra firme.
Durante o tempo que estiveram na cidade, Drake não apareceu, o que levou Hope a deduzir que estavam sendo esperados mais adiante. Com tudo preparado, sob o comando do capitão Jason Hope, os três navios pirata ingleses ergueram âncoras, içaram velas e fizeram-se ao mar. Acertaram a rota, o destino seria uma cidade africana, local de encontro para diversos piratas do mundo todo, principalmente aqueles que trabalhavam com Francis Drake. No caminho, atacaram alguns navios mercantes e obtiveram especiarias e alguns tecidos caros. Nada de complicado, esses barcos eram presas fáceis. Hope ansiava por emoção, queria tomar parte de uma abordagem perigosa, enfrentar navios de guerra e cruzar espadas com soldados bem treinados. Estava sentindo falta dos espanhóis naquelas águas.
Então, no terceiro dia de viagem pela imensidão azul do Atlântico, quando o vigia gritou lá do alto, do cesto da gávea, que havia navios espanhóis à estibordo, o próprio Hope apanhou sua luneta e correu para a amurada, a fim de conferir. O vigia estava certo. Três embarcações navegavam na direção de sua flotilha pirata, mas a do meio lhe chamou mais a atenção. Era um fabuloso e gigantesco galeão espanhol que, de velas infladas pelo vento, parecia uma águia de asas estendidas, pairando majestosamente sobre as águas. O navio estava sendo escoltado por dois barcos menores, embora fortemente armados. O galeão deslizava devagar sobre as ondas, seu bojo estava mais submerso que o normal. Estava certamente transportando grandes riquezas.
 Com olhos cobiçosos, o capitão Jason Hope, então, usou sua luneta para vasculhar o costado de proa do galeão espanhol que se aproximava, provavelmente retornando de uma incursão à grande colônia hispânica, o México. Buscava o nome do barco que iria pilhar em seguida. Quando leu o que procurava, Hope sentiu certo arrepio. Uma espécie de mau pressentimento. Tinha a impressão de que não esqueceria aquele nome tão cedo.
O galeão espanhol se chamava Pandora.

Continua...

Danilo Alex da Silva



“É tempo de olhar para o sol
Uma grande falha
O céu desaba, o Paraíso segue
O Fim está aqui”
(The Storm – Trivium)




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