No
interior da casa, o pânico total havia se alastrado tal como o fogo. A visão do
sangue abundante de Robson lavando o chão empoeirado de madeira fez vacilar as
pernas de todos aqueles que assistiam à macabra cena. No coração daquelas
pessoas, o amanhecer nunca demorara tanto.
No
chão, embolados, fera e homem ainda se atracavam. O cheiro do sangue parecia
haver incitado ainda mais a criatura dantesca a qual, de narinas dilatadas,
investia ainda mais furiosamente contra o homem enfraquecido sob si, subjugado
por seu peso e agressividade.
Embora
se encontrasse em uma situação completamente desfavorável, Robson ainda estava
vivo. Sua obstinação era admirável, e seu coração bombeava o sangue
enlouquecidamente, mais do que nunca lutando para sobreviver, defender seu
direito nato de existir, mesmo tendo a morte tão próxima de si, com sua
bocarra aberta e cheia de dentes afiados quase alcançando sua cabeça, o bafo
insuportável de carne e sangue atingindo seu rosto porejado de suor. Seguindo
as probabilidades, Robson, àquela altura, já deveria estar morto. Entretanto,
toda a sua vida foi escrita fora da coerência comum. As probabilidades não se
aplicavam àquele homem, porque ele vivia de acordo com uma lógica diferente; a
lógica de que o homem é capaz de traçar seu caminho, de mudar o fim de sua
história.
O
lobisomem mirara seu pescoço ao descer com a boca arreganhada; porém, no último
instante, Robson conseguiu erguer o braço esquerdo e aparou a monstruosa
abocanhada, que deveria ter decepado sua cabeça. Claro que, para ter sua vida
salva, Robson precisou pagar um preço. Um alto e sangrento custo, diga-se de
passagem.
A mordida da besta fera parecia pesar
toneladas: Robson sentiu-se grato por não haver perdido o braço. Uma dor atroz
o agoniou quando os dentes enormes cravaram-se fundo em sua carne, a infernal
boca lupina exercendo uma pressão capaz de esmagar seus ossos sem muito
esforço. Pele e carne dilacerados deram vazão ao sangue copioso, o qual,
naquele momento, encharcava o assoalho. Seu grito de dor e aflição parecia
lacerar o cérebro e o coração dos presentes. Com o joelho direito, passou a
golpear repetida e poderosamente o ventre da criatura, que se recusava a largar
seu braço, mordendo-o com a obstinação destrutiva de um cão da raça Pit Bull.
O
braço gravemente ferido de Robson era um obstáculo temporário ao lobisomem,
impedindo-o precariamente de degolar a vítima. O homem tinha escapado da morte
naquele momento, mas no próximo instante estaria morto, já que o braço
praticamente inutilizado cederia, e o monstruoso ser iria desferir o ataque
definitivo.
Quando
tudo parecia realmente perdido, a velha espingarda trovejou. Uma generosa e
fervente carga de chumbo atravessou a sala, indo explodir o pescoço da fera. Uivando
de dor, em meio a uma chuva de carne e pelos, com um esguicho de sangue
saltando no ar, a besta fera foi projetada para longe de Robson, indo
aterrissar pesadamente aos pés do móvel que bloqueava a porta contra a sua
entrada. Os olhares se voltaram para o local de onde o disparo viera. Ofegante,
com a camisa em frangalhos e um fio de sangue escorrendo de seu supercílio
direito, Marcos empunhava com firmeza a poderosa arma.
Vendo-se
livre do peso de seu agressor, Robson rolou para longe, gemendo com a dor
insuportável a ferroar seu braço dilacerado e sangrento. Mesmo assim, perseverantemente rastejou em
direção ao seu revólver. Enquanto isso, apesar de grandes tremores sacudirem o
corpanzil musculoso e peludo, a fera irada estava se erguendo. Seu processo de
regeneração era mágico, inacreditável a olhos humanos. De modo sobrenatural, as
balas eram expelidas enquanto a carne se reconstruía e o sangue estancava. O
bicho diabólico se preparava para um novo ataque.
Robson
estava pronto para gritar a plenos pulmões, ordenar que Juliana fugisse com o
bebê para longe dali, quando o monstro começou a avançar. No meio do caminho
ele estacou. Todavia, o que o parou dessa vez não foi uma bala. Foi uma voz de
mulher.
-
Já chega, Antônio. Basta de fazer mal às pessoas. Você não é um monstro; você é
o meu Antônio, o meu bom e velho Antônio.
Quando
todos se voltaram rumo ao ponto de origem da voz, a surpresa os paralisou por
um instante. De pé junto à porta, embora visivelmente trêmula e vacilante,
jazia a velha enferma, apoiada precariamente em uma bengala. Com a voz débil,
própria das pessoas acometidas por doenças, ela suplicou mais uma vez:
-
Essa matança tem que acabar, Antônio. Está ferindo pessoas inocentes. Não se
lembra de mim? Não se lembra da sua família?
O
momento foi tão surpreendente que a própria fera ficou sem reação, encarando a
corajosa mulher. Conforme ela ia falando, a situação se transformava
inacreditavelmente. Um lampejo de reconhecimento passou pelos olhos
selvagemente amarelos da fera. A agressividade característica desapareceu,
dando lugar a uma rara e sincera curiosidade. O homem sob a pele do lobo
parecia estar se lembrando vagamente de quem era, ao ser tratado por seu nome
de batismo. Olhou em dúvida para suas garras mortais e notou que o sangue
escorrendo de sua boca não era seu, mas das suas vítimas. Viu então as pessoas
feridas, arquejantes, ostentando olhares apavorados em sua direção.
Então,
deixando escapar um uivo doloroso, o lobisomem se virou e em seguida
pesadamente se atirou pela janela. Passou por ela como um grande míssil peludo,
fazendo em pedaços o pesado móvel que bloqueava a passagem, convertendo-o
praticamente em uma pilha de tocos e lascas de madeira. Uma vez do lado de fora
da casa, ele correu furiosamente sem olhar para trás. Galopou sobre quatro
patas como um animal e ganhou a mata, onde desapareceu em seguida. Pouco tempo
depois a noite se afastou silenciosamente e o céu foi caprichosamente tingido
com as cores da aurora. Os galos, batendo asas, cantavam anunciando a chegada
do novo dia. Com o raiar da manhã, as trevas se dissipavam. A luz era bem
vinda; sua proximidade fazia com que a metamorfose maldita fosse desfeita.
Aliviado
pela chegada da manhã, Robson, caído de bruços, relaxou o corpo e mergulhou na
inconsciência, sendo imediatamente cercado pelas pessoas que ele acabara de
tentar salvar.
Pele
ardente. Suor febril. Fraqueza. Fome. Sede. Dor sufocante na boca do estômago. Um
homem lutando pela vida, transpirando e rolando entre grossas cobertas. Os
lábios secos, quase rachando. Um grito doloroso emergindo do fundo da alma, seu
interior queimando como se ele tivesse bebido lava de vulcão.
Vozes
confusas vindo de longe, ininteligíveis como ecos distantes. Imagens difusas quando seus olhos se abriam lenta e gradativamente. Enquanto recuperava pouco
a pouco a consciência, Robson percebeu que se achava em uma confortável cama. Seu
braço esquerdo, conquanto doesse terrivelmente devido a seriedade dos
ferimentos, estava envolto em bandagens umedecidas, aplicadas sobre um emplastro
que preveniria a dor e a infecção. As vozes pareciam animadas ao notar a pouca
melhora do homem, ao ver que ele se tornava consciente.
Robson
repetia o nome de sua esposa em meio aos delírios febris. Precisava sobreviver,
precisava escapar. O lobisomem estava vindo. A polícia estava chegando. Uma
palavra martelava sua mente: Fugir. Fugir. Fugir. Por que seu corpo não
obedecia? Porque estava muito cansado e ferido. Enquanto sua mente pensava em
fugir, o corpo implorava por repouso para que pudesse se curar.
Um
cheiro agradável acariciou o olfato de Robson. Fome. Sua boca seca salivou
imediatamente. Alguém estava entornando delicadamente algo em sua boca. Uma
sopa? Um caldo espesso quentinho, com sabor de frango caipira. Também sentiu
gosto de verduras. Estava sendo alimentado. Graças a Deus! Quanto tempo fazia
que seu estômago não via comida? Perdera muito sangue. Era necessário repor as
energias.
Quando
começou a abrir os olhos, sua vista ainda estava anuviada. Viu rostos preocupados
ao redor da cama e um sorriso começou a se desenhar em seus lábios pálidos e
trincados, mas no meio do caminho converteu-se em uma careta de dor. Tombou a
cabeça de lado e cochilou por mais algum tempo, esgotado pelo esforço de tentar
falar algo.
Algum
tempo mais tarde, finalmente recobrou inteiramente a consciência. A névoa foi
desaparecendo de sua vista, o contorno das coisas e pessoas tornou-se novamente
nítido. Juliana estava ao lado da cama, enxugando sua testa febril com um pano úmido.
Ao ver que ele voltava a si, ela sorriu, aliviada. Logo apareceram o garotinho
Henrique, Marcos segurando o bebê, e a velha senhora, que Robson descobriu, se
chamava Célia. Seus anfitriões demonstravam imensa satisfação por vê-lo
acordado.
Entre
encabulado e comovido pelos cuidados que estava recebendo daquela família, o
jovem ex-presidiário olhou ao redor e contemplou o quarto da casa que ajudara a
defender durante a noite, o que quase lhe custara a vida. De onde estava
deitado, Robson podia ver algumas partes da sala devastada pelos tiros e pela
ação do lobisomem. Lamentou em silêncio pela destruição material do lugar, mas,
em compensação, sentiu-se feliz em ver sãs e salvas aquelas pessoas que o
trataram e o acolheram, apesar de ele ser um foragido da justiça. Fixando os
olhos em Marcos e no bebê, perguntou:
-
Ele já tem nome?
-
Até ontem ele não tinha. Hoje decidimos batizá-lo de Robson.
Surpreso,
o jovem arregalou os olhos. Depois, sorriu. De repente, lembrou-se de algo e
seu semblante mudou, ficando sério, sombrio:
-
Que horas são agora?
-
Perto de meio-dia – respondeu dona Célia.
-
Preciso ir. – disse Robson com um gemido enquanto se levantava da cama. Sentia
o braço esquerdo queimar terrivelmente, como se fosse desprender-se do resto do
corpo a qualquer momento. Tentaram detê-lo, convencê-lo a ficar onde estava,
contudo o rapaz estava determinado:
-
Tenho que ir embora. As autoridades estão me procurando, logo estarão aqui e
não quero mais expor vocês a riscos desnecessários. Se me encontrarem aqui,
podem acusar vocês de abrigar um fugitivo. Isso traria ainda mais complicações.
Como eu disse ontem à noite, preciso seu caminhão provisoriamente. A polícia
logo o encontrará e vocês o terão de volta, vou usá-lo apenas para conseguir
alguma vantagem sobre meus perseguidores. Digam a eles que eu os ameacei e
roubei o caminhão.
Notando
a tristeza do pessoal, ele sorriu mais uma vez e completou, agradecido:
-
Jamais esquecerei o que fizeram por mim. Agradeço a hospitalidade.
-
Nós que agradecemos o que você fez, meu filho – exclamou Célia – Não fosse você
aqui ontem, teríamos mais uma tragédia na família. Meu netinho teria sido
devorado pelo monstro irracional que toma meu marido nas noites de lua cheia.
Marcos,
entregando o pequeno à Juliana, saiu da casa e foi ao quintal procurar as
chaves do caminhão, as quais deveriam ter caído em algum lugar depois que a
besta fera atacou os outros ex-detentos na noite anterior, quando eles tentavam
fugir da fazenda.
Robson
se levantou e caminhou penosamente até a sala. Viu um homem magro e baixo
dormindo profundamente no sofá. Tinha a pele muito branca. Sua roupa estava em
frangalhos, e havia sangue seco grudado em várias partes do corpo. Um sangue
que não parecia ser seu.
-
Esse é o senhor Antônio? – perguntou Robson pensativo – Era ele o lobisomem de
noite passada?
Juliana,
Célia e Henrique assentiram com a cabeça.
-
Existe algum meio de se acabar com um lobisomem? – indagou o rapaz novamente.
-
Prata. – respondeu Juliana, lacônica e melancolicamente.
-
E por que vocês não usam a prata então? – Robson inquiriu ao mesmo tempo em que
indicava com o queixo o homem amaldiçoado ressonando tranquilamente no sofá,
como se não tivesse matado brutalmente quatro pessoas na noite anterior.
-
Porque ele é meu pai! – quase gritou Henrique escandalizado – Ele é da família!
Robson
não disse mais nada. Chamando-o à parte, Célia explicou que Antônio não se
lembraria de nada do que acontecera, nada do que havia feito. Carregava o peso
da maldição de ser uma besta assassina sem jamais ver o rosto de suas vítimas.
Sabia que estava condenado a ser um monstro, uma ameaça para todos que o
cercassem. E não podia se controlar. Não podia evitar. Todo mês, durante o
ciclo lunar maldito, aquele pesadelo se repetiria todos os anos. E seria
transmitida a maldição a Henrique, e depois ao pequeno Robson. Uma família
fadada a conviver com o horror em sua própria casa por todo o sempre.
Enquanto
pensava nisso, Marcos entrou e lhe entregou as chaves. Estavam sujas de lama e
sangue. O rosto do homem denotava preocupação. Disse então a Robson:
-
Vi dois helicópteros voando muito baixo a leste, como se procurassem alguém.
Estão muito distantes ainda, mas se dirigem para cá.
-
A polícia! – sobressaltou-se Robson – Não há mais tempo a perder!
-
Devia dar uma olhada nesse braço. – sugeriu Juliana. – Ver um médico... O
machucado foi grave, fizemos o que podíamos, mas tem que ir a um hospital.
Robson
concordou e prometeu buscar assistência médica assim que pudesse. Apanhou seu
revólver, enfiou-o na cintura, despediu-se de todos e rumou para o pequeno
caminhão. Entrou, deu partida e subiu rapidamente a pequena estrada de terra
que o levaria para longe dali. Minutos depois, estava na rodovia, dirigindo o
mais rápido que podia. Era meio difícil guiar com o braço esquerdo todo
enfaixado, mas ele se virava bem. Deixou uma, duas cidades para trás. Tomava
atalhos sempre que podia, evitando as estradas principais, que certamente
estariam sendo vigiadas pela polícia.
As
primeiras horas de viagem foram tranqüilas. Entretanto, conforme a tarde
corria, as coisas começaram a mudar. Primeiro um tremor convulsivo tomou conta
de seu corpo. A febre voltou, escaldando seu organismo enfraquecido. Suava
abundantemente. O braço ferido latejava. Depois de um tempo, tudo isso passou. E
veio o sono.
Era
brando. Manifestou-se discretamente a princípio, fazendo Robson bocejar vez ou
outra. Em seguida, se abateu de modo avassalador sobre o homem. Os olhos de
Robson pareciam estar cheios de areia e lacrimejavam fartamente. O homem lutava
bravamente contra o sono. Não podia parar. Tinha de seguir em frente. No
entanto, logo seus olhos estavam se fechando sozinhos, a cabeça pendia e ele
estava prestes a adormecer na direção. Por duas vezes evitou causar acidentes
graves com um golpe rápido no volante, corrigindo a direção do veículo que
teimava em invadir o fluxo contrário do trânsito na rodovia. O sono o vencia.
Era impossível derrotar aquela sonolência poderosa, assim como é dificílimo
desvencilhar-se do aperto mortal da sucuri, cujo abraço tem como única função
esmagar os ossos da presa.
Sentindo-se
no limite de suas forças, Robson reduziu a velocidade, acionou a seta, rumando
para o acostamento. Seus olhos, muito cansados, contemplaram o céu, e ele
imaginou que deveriam ser aproximadamente dezesseis horas. Mal girou a chave na
ignição e sentiu o motor do caminhão morrer, após puxar o freio de mão, Robson
tombou para frente e sua vista escureceu instantaneamente.
Despertou
algum tempo depois, sua mente nublada buscando emergir da confusão. Estava
deitado em uma maca. Algemas atavam seus pulsos. Trepidação. Encontrava-se
dentro de um veículo em movimento. Imaginou que fosse uma ambulância. Sentados
à sua direita e à sua esquerda, viu policiais carrancudos e fortemente armados
a fitá-lo com desconfiança. Também havia enfermeiros junto dele, verificando
sua pressão, prestando atendimento. Pelo que entendeu da conversa dos
policiais, Robson fora encontrado dormindo na rodovia por motoristas. Julgavam
que ele estivesse passando mal e chamaram o socorro. E o socorro acionou a
polícia.
Essa
não! Não podia voltar para a cadeia. Estivera tão perto da morte! Queria ver
sua esposa. Queria ver sua filha. Droga, um homem não deveria ser privado do
direito de ver sua família. Percebeu que seu curativo fora substituído por
outro bem melhor, provavelmente feito por um dos enfermeiros. Sacudiu
raivosamente as algemas e um dos policiais com cara de poucos amigos ordenou
que ficasse quieto.
A
mente de Robson trabalhava a mil por hora. Os enfermeiros perguntavam onde ele
tinha se machucado. Os policiais também faziam perguntas sobre seus
companheiros. Perdera muito sangue. Estava recebendo uma transfusão naquele
momento. Fechou os olhos. Não queria saber de nada daquilo. Não queria falar
com aquela gente. Queria ir para casa, e eles o estavam levando de volta para a
prisão.
Então,
Robson intuiu que havia algo diferente. Seu ferimento latejava, mas era um
latejar própria da cura. Nem precisou olhar para saber que, sob as bandagens,
seu braço se regenerava rapidamente, como por milagre. Ergueu um pouco a cabeça
e olhou pela janela. O céu sem nuvens estava tingido de vermelho sangue. O sol
se punha cerimoniosamente.
-
Você ficou muito tempo apagado - explicou um enfermeiro com certa simpatia - É
quase noite. Logo a lua cheia vai estar no céu. Particularmente adoro noites
assim. Acho-as misteriosas.
Robson
entendeu tudo. A mordida. O ferimento se curando sozinho com grande rapidez. O
sono extremo. A febre. Seus olhos negros lentamente adquirindo uma tonalidade
amarela, brilhante, sem que nenhum dos presentes percebesse. Podia sentir um
imenso poder nascendo dentro dele, como se uma fera enjaulada, aprisionada em seu interior, urrasse tenebrosamente,
ansiosa para se libertar. Suas narinas se dilatavam, captando qualquer mínimo
cheiro que flutuasse pelo ar. Algo também se modificava em sua audição: começou a escutar o som
de vários tambores tocando de maneira ritmada. Olhando ao redor, viu que ele era
o único a ouvir aquilo. Então compreendeu que não eram tambores.
Na
verdade, Robson ouvia o pulsar do coração dos policiais e enfermeiros com tal
clareza, que tinha a impressão de estar com o ouvido colado ao peito deles.
Conseguia escutar separadamente cada coração batendo em seu próprio ritmo. Dons
fantásticos e animalescos aflorando no homem que fora mordido pela fera e
sobrevivera. Dentro de poucos minutos, tudo mudaria drasticamente naquela
ambulância.
A
força de Robson se multiplicaria em muitas e muitas vezes. Aquelas algemas não
poderiam segurá-lo. As balas que viessem dos fuzis dos policiais fariam cócegas
em sua nova epiderme, invulnerável, musculosa, peluda e sobrenatural. A vida
dos homens estaria em grande perigo, sua chance de sobrevivência era quase nula.
Depois que terminasse o que faria na ambulância, ele saltaria e correria pelas
matas e serras. Não ia voltar para a cadeia. Iria ao encontro de Rafaela. Iria
ao encontro da filha. Fitando os policiais armados, bendisse o maldito dom recém-adquirido.
Conseguia sentir a lua surgindo no horizonte já escuro, erguendo-se
majestosamente no céu e envolvendo a noite com seus braços de luz prateada. Robson
começou a rir de modo enlouquecido e um dos policiais mandou que calasse a
boca.
A
risada de Robson tornou-se um grito causado pela dor insana que anunciava o
princípio da transformação. Subitamente, para o espanto total dos presentes, um
urro ferino escapou da garganta do prisioneiro. Antes que Robson perdesse
definitivamente o domínio sobre sua racionalidade e se entregasse à conversão
monstruosa, lembrou-se das proféticas palavras de Dona Célia em seu leito de
enfermidade:
-
“Toda vez que a lua cheia se levanta no céu, a Besta caminha sobre a terra.”
Fim
Danilo Alex da Silva
“Ela
não deveria trancar a porta
(Fuja!
Fuja! Fuja!)
Lua
cheia está no céu e ele não é mais um homem.
Ela
vê a mudança nele, mas não pode
(Fugir!
Fugir! Fugir)
Vê
o que surge de seu homem querido
Lua
cheia.”
(Full
Moon – Sonata Arctica)
muito bom. uma maldição se converte em benção... =)
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