terça-feira, 19 de junho de 2012

A Noite da Besta - Parte 5 - Final




No interior da casa, o pânico total havia se alastrado tal como o fogo. A visão do sangue abundante de Robson lavando o chão empoeirado de madeira fez vacilar as pernas de todos aqueles que assistiam à macabra cena. No coração daquelas pessoas, o amanhecer nunca demorara tanto.
No chão, embolados, fera e homem ainda se atracavam. O cheiro do sangue parecia haver incitado ainda mais a criatura dantesca a qual, de narinas dilatadas, investia ainda mais furiosamente contra o homem enfraquecido sob si, subjugado por seu peso e agressividade.
Embora se encontrasse em uma situação completamente desfavorável, Robson ainda estava vivo. Sua obstinação era admirável, e seu coração bombeava o sangue enlouquecidamente, mais do que nunca lutando para sobreviver, defender seu direito nato de existir, mesmo tendo a morte tão próxima de si, com sua bocarra aberta e cheia de dentes afiados quase alcançando sua cabeça, o bafo insuportável de carne e sangue atingindo seu rosto porejado de suor. Seguindo as probabilidades, Robson, àquela altura, já deveria estar morto. Entretanto, toda a sua vida foi escrita fora da coerência comum. As probabilidades não se aplicavam àquele homem, porque ele vivia de acordo com uma lógica diferente; a lógica de que o homem é capaz de traçar seu caminho, de mudar o fim de sua história.
O lobisomem mirara seu pescoço ao descer com a boca arreganhada; porém, no último instante, Robson conseguiu erguer o braço esquerdo e aparou a monstruosa abocanhada, que deveria ter decepado sua cabeça. Claro que, para ter sua vida salva, Robson precisou pagar um preço. Um alto e sangrento custo, diga-se de passagem.
 A mordida da besta fera parecia pesar toneladas: Robson sentiu-se grato por não haver perdido o braço. Uma dor atroz o agoniou quando os dentes enormes cravaram-se fundo em sua carne, a infernal boca lupina exercendo uma pressão capaz de esmagar seus ossos sem muito esforço. Pele e carne dilacerados deram vazão ao sangue copioso, o qual, naquele momento, encharcava o assoalho. Seu grito de dor e aflição parecia lacerar o cérebro e o coração dos presentes. Com o joelho direito, passou a golpear repetida e poderosamente o ventre da criatura, que se recusava a largar seu braço, mordendo-o com a obstinação destrutiva de um cão da raça Pit Bull.
O braço gravemente ferido de Robson era um obstáculo temporário ao lobisomem, impedindo-o precariamente de degolar a vítima. O homem tinha escapado da morte naquele momento, mas no próximo instante estaria morto, já que o braço praticamente inutilizado cederia, e o monstruoso ser iria desferir o ataque definitivo.
Quando tudo parecia realmente perdido, a velha espingarda trovejou. Uma generosa e fervente carga de chumbo atravessou a sala, indo explodir o pescoço da fera. Uivando de dor, em meio a uma chuva de carne e pelos, com um esguicho de sangue saltando no ar, a besta fera foi projetada para longe de Robson, indo aterrissar pesadamente aos pés do móvel que bloqueava a porta contra a sua entrada. Os olhares se voltaram para o local de onde o disparo viera. Ofegante, com a camisa em frangalhos e um fio de sangue escorrendo de seu supercílio direito, Marcos empunhava com firmeza a poderosa arma.
Vendo-se livre do peso de seu agressor, Robson rolou para longe, gemendo com a dor insuportável a ferroar seu braço dilacerado e sangrento.  Mesmo assim, perseverantemente rastejou em direção ao seu revólver. Enquanto isso, apesar de grandes tremores sacudirem o corpanzil musculoso e peludo, a fera irada estava se erguendo. Seu processo de regeneração era mágico, inacreditável a olhos humanos. De modo sobrenatural, as balas eram expelidas enquanto a carne se reconstruía e o sangue estancava. O bicho diabólico se preparava para um novo ataque.
Robson estava pronto para gritar a plenos pulmões, ordenar que Juliana fugisse com o bebê para longe dali, quando o monstro começou a avançar. No meio do caminho ele estacou. Todavia, o que o parou dessa vez não foi uma bala. Foi uma voz de mulher.
- Já chega, Antônio. Basta de fazer mal às pessoas. Você não é um monstro; você é o meu Antônio, o meu bom e velho Antônio.
Quando todos se voltaram rumo ao ponto de origem da voz, a surpresa os paralisou por um instante. De pé junto à porta, embora visivelmente trêmula e vacilante, jazia a velha enferma, apoiada precariamente em uma bengala. Com a voz débil, própria das pessoas acometidas por doenças, ela suplicou mais uma vez:
- Essa matança tem que acabar, Antônio. Está ferindo pessoas inocentes. Não se lembra de mim? Não se lembra da sua família?
O momento foi tão surpreendente que a própria fera ficou sem reação, encarando a corajosa mulher. Conforme ela ia falando, a situação se transformava inacreditavelmente. Um lampejo de reconhecimento passou pelos olhos selvagemente amarelos da fera. A agressividade característica desapareceu, dando lugar a uma rara e sincera curiosidade. O homem sob a pele do lobo parecia estar se lembrando vagamente de quem era, ao ser tratado por seu nome de batismo. Olhou em dúvida para suas garras mortais e notou que o sangue escorrendo de sua boca não era seu, mas das suas vítimas. Viu então as pessoas feridas, arquejantes, ostentando olhares apavorados em sua direção.
Então, deixando escapar um uivo doloroso, o lobisomem se virou e em seguida pesadamente se atirou pela janela. Passou por ela como um grande míssil peludo, fazendo em pedaços o pesado móvel que bloqueava a passagem, convertendo-o praticamente em uma pilha de tocos e lascas de madeira. Uma vez do lado de fora da casa, ele correu furiosamente sem olhar para trás. Galopou sobre quatro patas como um animal e ganhou a mata, onde desapareceu em seguida. Pouco tempo depois a noite se afastou silenciosamente e o céu foi caprichosamente tingido com as cores da aurora. Os galos, batendo asas, cantavam anunciando a chegada do novo dia. Com o raiar da manhã, as trevas se dissipavam. A luz era bem vinda; sua proximidade fazia com que a metamorfose maldita fosse desfeita.
Aliviado pela chegada da manhã, Robson, caído de bruços, relaxou o corpo e mergulhou na inconsciência, sendo imediatamente cercado pelas pessoas que ele acabara de tentar salvar.

Pele ardente. Suor febril. Fraqueza. Fome. Sede. Dor sufocante na boca do estômago. Um homem lutando pela vida, transpirando e rolando entre grossas cobertas. Os lábios secos, quase rachando. Um grito doloroso emergindo do fundo da alma, seu interior queimando como se ele tivesse bebido lava de vulcão.
Vozes confusas vindo de longe, ininteligíveis como ecos distantes. Imagens difusas quando seus olhos se abriam lenta e gradativamente. Enquanto recuperava pouco a pouco a consciência, Robson percebeu que se achava em uma confortável cama. Seu braço esquerdo, conquanto doesse terrivelmente devido a seriedade dos ferimentos, estava envolto em bandagens umedecidas, aplicadas sobre um emplastro que preveniria a dor e a infecção. As vozes pareciam animadas ao notar a pouca melhora do homem, ao ver que ele se tornava consciente.
Robson repetia o nome de sua esposa em meio aos delírios febris. Precisava sobreviver, precisava escapar. O lobisomem estava vindo. A polícia estava chegando. Uma palavra martelava sua mente: Fugir. Fugir. Fugir. Por que seu corpo não obedecia? Porque estava muito cansado e ferido. Enquanto sua mente pensava em fugir, o corpo implorava por repouso para que pudesse se curar.
Um cheiro agradável acariciou o olfato de Robson. Fome. Sua boca seca salivou imediatamente. Alguém estava entornando delicadamente algo em sua boca. Uma sopa? Um caldo espesso quentinho, com sabor de frango caipira. Também sentiu gosto de verduras. Estava sendo alimentado. Graças a Deus! Quanto tempo fazia que seu estômago não via comida? Perdera muito sangue. Era necessário repor as energias.
Quando começou a abrir os olhos, sua vista ainda estava anuviada. Viu rostos preocupados ao redor da cama e um sorriso começou a se desenhar em seus lábios pálidos e trincados, mas no meio do caminho converteu-se em uma careta de dor. Tombou a cabeça de lado e cochilou por mais algum tempo, esgotado pelo esforço de tentar falar algo.
Algum tempo mais tarde, finalmente recobrou inteiramente a consciência. A névoa foi desaparecendo de sua vista, o contorno das coisas e pessoas tornou-se novamente nítido. Juliana estava ao lado da cama, enxugando sua testa febril com um pano úmido. Ao ver que ele voltava a si, ela sorriu, aliviada. Logo apareceram o garotinho Henrique, Marcos segurando o bebê, e a velha senhora, que Robson descobriu, se chamava Célia. Seus anfitriões demonstravam imensa satisfação por vê-lo acordado.
Entre encabulado e comovido pelos cuidados que estava recebendo daquela família, o jovem ex-presidiário olhou ao redor e contemplou o quarto da casa que ajudara a defender durante a noite, o que quase lhe custara a vida. De onde estava deitado, Robson podia ver algumas partes da sala devastada pelos tiros e pela ação do lobisomem. Lamentou em silêncio pela destruição material do lugar, mas, em compensação, sentiu-se feliz em ver sãs e salvas aquelas pessoas que o trataram e o acolheram, apesar de ele ser um foragido da justiça. Fixando os olhos em Marcos e no bebê, perguntou:
- Ele já tem nome?
- Até ontem ele não tinha. Hoje decidimos batizá-lo de Robson.
Surpreso, o jovem arregalou os olhos. Depois, sorriu. De repente, lembrou-se de algo e seu semblante mudou, ficando sério, sombrio:
- Que horas são agora?
- Perto de meio-dia – respondeu dona Célia.
- Preciso ir. – disse Robson com um gemido enquanto se levantava da cama. Sentia o braço esquerdo queimar terrivelmente, como se fosse desprender-se do resto do corpo a qualquer momento. Tentaram detê-lo, convencê-lo a ficar onde estava, contudo o rapaz estava determinado:
- Tenho que ir embora. As autoridades estão me procurando, logo estarão aqui e não quero mais expor vocês a riscos desnecessários. Se me encontrarem aqui, podem acusar vocês de abrigar um fugitivo. Isso traria ainda mais complicações. Como eu disse ontem à noite, preciso seu caminhão provisoriamente. A polícia logo o encontrará e vocês o terão de volta, vou usá-lo apenas para conseguir alguma vantagem sobre meus perseguidores. Digam a eles que eu os ameacei e roubei o caminhão.
Notando a tristeza do pessoal, ele sorriu mais uma vez e completou, agradecido:
- Jamais esquecerei o que fizeram por mim. Agradeço a hospitalidade.
- Nós que agradecemos o que você fez, meu filho – exclamou Célia – Não fosse você aqui ontem, teríamos mais uma tragédia na família. Meu netinho teria sido devorado pelo monstro irracional que toma meu marido nas noites de lua cheia.
Marcos, entregando o pequeno à Juliana, saiu da casa e foi ao quintal procurar as chaves do caminhão, as quais deveriam ter caído em algum lugar depois que a besta fera atacou os outros ex-detentos na noite anterior, quando eles tentavam fugir da fazenda.
Robson se levantou e caminhou penosamente até a sala. Viu um homem magro e baixo dormindo profundamente no sofá. Tinha a pele muito branca. Sua roupa estava em frangalhos, e havia sangue seco grudado em várias partes do corpo. Um sangue que não parecia ser seu.
- Esse é o senhor Antônio? – perguntou Robson pensativo – Era ele o lobisomem de noite passada?
Juliana, Célia e Henrique assentiram com a cabeça.
- Existe algum meio de se acabar com um lobisomem? – indagou o rapaz novamente.
- Prata. – respondeu Juliana, lacônica e melancolicamente.
- E por que vocês não usam a prata então? – Robson inquiriu ao mesmo tempo em que indicava com o queixo o homem amaldiçoado ressonando tranquilamente no sofá, como se não tivesse matado brutalmente quatro pessoas na noite anterior.
- Porque ele é meu pai! – quase gritou Henrique escandalizado – Ele é da família!
Robson não disse mais nada. Chamando-o à parte, Célia explicou que Antônio não se lembraria de nada do que acontecera, nada do que havia feito. Carregava o peso da maldição de ser uma besta assassina sem jamais ver o rosto de suas vítimas. Sabia que estava condenado a ser um monstro, uma ameaça para todos que o cercassem. E não podia se controlar. Não podia evitar. Todo mês, durante o ciclo lunar maldito, aquele pesadelo se repetiria todos os anos. E seria transmitida a maldição a Henrique, e depois ao pequeno Robson. Uma família fadada a conviver com o horror em sua própria casa por todo o sempre.
Enquanto pensava nisso, Marcos entrou e lhe entregou as chaves. Estavam sujas de lama e sangue. O rosto do homem denotava preocupação. Disse então a Robson:
- Vi dois helicópteros voando muito baixo a leste, como se procurassem alguém. Estão muito distantes ainda, mas se dirigem para cá.
- A polícia! – sobressaltou-se Robson – Não há mais tempo a perder!
- Devia dar uma olhada nesse braço. – sugeriu Juliana. – Ver um médico... O machucado foi grave, fizemos o que podíamos, mas tem que ir a um hospital.
Robson concordou e prometeu buscar assistência médica assim que pudesse. Apanhou seu revólver, enfiou-o na cintura, despediu-se de todos e rumou para o pequeno caminhão. Entrou, deu partida e subiu rapidamente a pequena estrada de terra que o levaria para longe dali. Minutos depois, estava na rodovia, dirigindo o mais rápido que podia. Era meio difícil guiar com o braço esquerdo todo enfaixado, mas ele se virava bem. Deixou uma, duas cidades para trás. Tomava atalhos sempre que podia, evitando as estradas principais, que certamente estariam sendo vigiadas pela polícia.
As primeiras horas de viagem foram tranqüilas. Entretanto, conforme a tarde corria, as coisas começaram a mudar. Primeiro um tremor convulsivo tomou conta de seu corpo. A febre voltou, escaldando seu organismo enfraquecido. Suava abundantemente. O braço ferido latejava. Depois de um tempo, tudo isso passou. E veio o sono.
Era brando. Manifestou-se discretamente a princípio, fazendo Robson bocejar vez ou outra. Em seguida, se abateu de modo avassalador sobre o homem. Os olhos de Robson pareciam estar cheios de areia e lacrimejavam fartamente. O homem lutava bravamente contra o sono. Não podia parar. Tinha de seguir em frente. No entanto, logo seus olhos estavam se fechando sozinhos, a cabeça pendia e ele estava prestes a adormecer na direção. Por duas vezes evitou causar acidentes graves com um golpe rápido no volante, corrigindo a direção do veículo que teimava em invadir o fluxo contrário do trânsito na rodovia. O sono o vencia. Era impossível derrotar aquela sonolência poderosa, assim como é dificílimo desvencilhar-se do aperto mortal da sucuri, cujo abraço tem como única função esmagar os ossos da presa.
Sentindo-se no limite de suas forças, Robson reduziu a velocidade, acionou a seta, rumando para o acostamento. Seus olhos, muito cansados, contemplaram o céu, e ele imaginou que deveriam ser aproximadamente dezesseis horas. Mal girou a chave na ignição e sentiu o motor do caminhão morrer, após puxar o freio de mão, Robson tombou para frente e sua vista escureceu instantaneamente.
Despertou algum tempo depois, sua mente nublada buscando emergir da confusão. Estava deitado em uma maca. Algemas atavam seus pulsos. Trepidação. Encontrava-se dentro de um veículo em movimento. Imaginou que fosse uma ambulância. Sentados à sua direita e à sua esquerda, viu policiais carrancudos e fortemente armados a fitá-lo com desconfiança. Também havia enfermeiros junto dele, verificando sua pressão, prestando atendimento. Pelo que entendeu da conversa dos policiais, Robson fora encontrado dormindo na rodovia por motoristas. Julgavam que ele estivesse passando mal e chamaram o socorro. E o socorro acionou a polícia.
Essa não! Não podia voltar para a cadeia. Estivera tão perto da morte! Queria ver sua esposa. Queria ver sua filha. Droga, um homem não deveria ser privado do direito de ver sua família. Percebeu que seu curativo fora substituído por outro bem melhor, provavelmente feito por um dos enfermeiros. Sacudiu raivosamente as algemas e um dos policiais com cara de poucos amigos ordenou que ficasse quieto.
A mente de Robson trabalhava a mil por hora. Os enfermeiros perguntavam onde ele tinha se machucado. Os policiais também faziam perguntas sobre seus companheiros. Perdera muito sangue. Estava recebendo uma transfusão naquele momento. Fechou os olhos. Não queria saber de nada daquilo. Não queria falar com aquela gente. Queria ir para casa, e eles o estavam levando de volta para a prisão.
Então, Robson intuiu que havia algo diferente. Seu ferimento latejava, mas era um latejar própria da cura. Nem precisou olhar para saber que, sob as bandagens, seu braço se regenerava rapidamente, como por milagre. Ergueu um pouco a cabeça e olhou pela janela. O céu sem nuvens estava tingido de vermelho sangue. O sol se punha cerimoniosamente.
- Você ficou muito tempo apagado - explicou um enfermeiro com certa simpatia - É quase noite. Logo a lua cheia vai estar no céu. Particularmente adoro noites assim. Acho-as misteriosas.
Robson entendeu tudo. A mordida. O ferimento se curando sozinho com grande rapidez. O sono extremo. A febre. Seus olhos negros lentamente adquirindo uma tonalidade amarela, brilhante, sem que nenhum dos presentes percebesse. Podia sentir um imenso poder nascendo dentro dele, como se uma fera enjaulada, aprisionada em seu interior, urrasse tenebrosamente, ansiosa para se libertar. Suas narinas se dilatavam, captando qualquer mínimo cheiro que flutuasse pelo ar. Algo também se modificava em sua audição: começou a escutar o som de vários tambores tocando de maneira ritmada. Olhando ao redor, viu que ele era o único a ouvir aquilo. Então compreendeu que não eram tambores.
Na verdade, Robson ouvia o pulsar do coração dos policiais e enfermeiros com tal clareza, que tinha a impressão de estar com o ouvido colado ao peito deles. Conseguia escutar separadamente cada coração batendo em seu próprio ritmo. Dons fantásticos e animalescos aflorando no homem que fora mordido pela fera e sobrevivera. Dentro de poucos minutos, tudo mudaria drasticamente naquela ambulância.
A força de Robson se multiplicaria em muitas e muitas vezes. Aquelas algemas não poderiam segurá-lo. As balas que viessem dos fuzis dos policiais fariam cócegas em sua nova epiderme, invulnerável, musculosa, peluda e sobrenatural. A vida dos homens estaria em grande perigo, sua chance de sobrevivência era quase nula. Depois que terminasse o que faria na ambulância, ele saltaria e correria pelas matas e serras. Não ia voltar para a cadeia. Iria ao encontro de Rafaela. Iria ao encontro da filha. Fitando os policiais armados, bendisse o maldito dom recém-adquirido. Conseguia sentir a lua surgindo no horizonte já escuro, erguendo-se majestosamente no céu e envolvendo a noite com seus braços de luz prateada. Robson começou a rir de modo enlouquecido e um dos policiais mandou que calasse a boca.
A risada de Robson tornou-se um grito causado pela dor insana que anunciava o princípio da transformação. Subitamente, para o espanto total dos presentes, um urro ferino escapou da garganta do prisioneiro. Antes que Robson perdesse definitivamente o domínio sobre sua racionalidade e se entregasse à conversão monstruosa, lembrou-se das proféticas palavras de Dona Célia em seu leito de enfermidade:
- “Toda vez que a lua cheia se levanta no céu, a Besta caminha sobre a terra.”

Fim

Danilo Alex da Silva


 “Ela não deveria trancar a porta
(Fuja! Fuja! Fuja!)
Lua cheia está no céu e ele não é mais um homem.
Ela vê a mudança nele, mas não pode
(Fugir! Fugir! Fugir)
Vê o que surge de seu homem querido
Lua cheia.”

 (Full Moon – Sonata Arctica)

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